Crime de violência doméstica. Concretização dos factos. Subordinação existencial. Posição de inferioridade. Assimetria e coisificação da vítima face ao agressor. Recurso da decisão que atribuiu à vítima de violência doméstica indemnização pelos prejuízos sofridos
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONCRETIZAÇÃO DOS FACTOS. SUBORDINAÇÃO EXISTENCIAL. POSIÇÃO DE INFERIORIDADE. ASSIMETRIA E COISIFICAÇÃO DA VÍTIMA FACE AO AGRESSOR. RECURSO DA DECISÃO QUE ATRIBUIU À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INDEMNIZAÇÃO PELOS PREJUÍZOS SOFRIDOS
RECURSO CRIMINAL Nº 1454/24.5PCCBR.C1
Relator: FÁTIMA SANCHES
Data do Acórdão: 24-09-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 152.º DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 82.º-A, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 21.º, N.º 2, DA LEI 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO.
Sumário:
I – É irrecorrível a sentença na parte em que decidiu arbitrar à vítima 1.500 € a título de reparação pelos prejuízos sofridos, em conformidade com o preceituado nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b), segunda parte, e 414.º, n.º 2, ambos do C.P.P.
II – Conforme se vem entendendo, não seria congruente com a ordem jurídica admitir o conhecimento, em recurso, da pretensão de redução de um quantum indemnizatório arbitrado oficiosamente à vítima em 5 000,00 €, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A do C.P.P., quando não é susceptível de recurso igual pretensão relativamente a um pedido de indemnização civil deduzido pela vítima no mesmo valor e julgado totalmente procedente.
III – A violência doméstica não exige uma “subordinação existencial”, uma posição de inferioridade, uma “assimetria” e “coisificação” da vítima.
IV – O elemento subjetivo do tipo preenche-se por qualquer forma de dolo e deve abranger a(s) circunstância(s) que agrava(m) o crime.
V – Diz-nos a experiência comum que as situações em que os casais passam uma vida inteira a ofender-se mutuamente ou um dos membros do casal a ofender o outro, esses episódios, dada a frequência e habitualidade, são difíceis de concretizar no tempo, pois fazem parte do dia-a-dia, acabando por cair, muitas vezes, na banalização.
VI – Se bem que haja situações em que a falta de concretização no tempo e no espaço dos factos dificulta o exercício do contraditório, tal não acontece, em regra, no crime de violência doméstica, dadas as suas especificidades, pois o arguido sempre pode fazer a prova de que o relacionamento do casal foi, no geral e ao longo de toda a coabitação, pacífico ou, pelo menos, que as condutas relatadas ou não existiram, ou foram muito pontuais, ou raras.
VII – Não sendo imprescindível uma continuação criminosa para configurar o crime, um único comportamento para ser passível de integrar o crime tem que assumir uma intensa crueldade, insensibilidade e desprezo pela consideração do outro como pessoa, pelo que será muito mais fácil concretizá-lo no espaço e tempo.