Alteração substancial e não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Comunicação da alteração dos factos. Recurso da comunicação. Acto decisório. Recurso do ministério público que contraria posição anteriormente assumida. Venire contra factum proprium. Princípio da lealdade processual. Invocação de nulidade perante o tribunal recorrido. Invocação de nulidade no recurso interposto. Poderes do presidente do tribunal colectivo. Competência para a comunicação das alterações dos factos descritos na acusação e pronúncia. Estrutura do crime de tráfico de estupefacientes. Perdão de pena

ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL E NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO OU NA PRONÚNCIA. COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO DOS FACTOS. RECURSO DA COMUNICAÇÃO. ACTO DECISÓRIO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE CONTRARIA POSIÇÃO ANTERIORMENTE ASSUMIDA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. PRINCÍPIO DA LEALDADE PROCESSUAL. INVOCAÇÃO DE NULIDADE PERANTE O TRIBUNAL RECORRIDO. INVOCAÇÃO DE NULIDADE NO RECURSO INTERPOSTO. PODERES DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL COLECTIVO. COMPETÊNCIA PARA A COMUNICAÇÃO DAS ALTERAÇÕES DOS FACTOS DESCRITOS NA ACUSAÇÃO E PRONÚNCIA. ESTRUTURA DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. PERDÃO DE PENA

RECURSO CRIMINAL Nº 470/22.6T9CBR.C1
Relator: ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO
Data do Acórdão: 10-09-2025
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2
Legislação: ARTIGOS 14.º, 322.º, 323.º, 358.º, 359.º, 365.º, 379.º, N.º 2, E 401.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 2.º, N.º 1, DA LEI N.º 38-A/2023, DE 2 DE AGOSTO.

 Sumário:

I – Tendo o Magistrado do Ministério Público declarado nada ter a opor a todas as alterações factuais comunicadas, incluindo as consideradas substanciais, o recurso que, depois, interponha dessa comunicação deve ser rejeitado, ao abrigo do n.º 2 do artigo 401.º do C.P.P., pois não é admissível que o Ministério Público actue de forma discordante com a posição anteriormente assumida, em violação do princípio da lealdade processual.
II – Os factos que o tribunal entenda integrarem uma alteração substancial dos factos descritos na acusação não podem ser tidos em consideração no processo, a nenhum título, nem para efeito de enquadramento jurídico da conduta do(s) arguido(s) neles mencionados, nem para a determinação da(s) pena(s), ainda que à luz do vector da conduta anterior.
III – Independentemente desta questão, os artigos 358.º e 359.º do C.P.P. consagram, apenas, um dever de comunicação de hipotética alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
IV – Face ao teor do artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do C.P.P., não constituindo essa comunicação um acto decisório ela é irrecorrível.
V – Salvo os casos de nulidade da sentença, que são susceptíveis de, por si só, serem fundamento de recurso, todas as nulidades, mesmo insanáveis, e, também, as irregularidades cometidas noutro acto processual devem ser previamente suscitadas perante o tribunal que as cometeu, só havendo recurso da decisão que delas conhecer.
VI – Atento o disposto no n.º 1 do artigo 358.º do C.P.P., aplicável aos casos de alteração substancial dos factos, é da competência do presidente do tribunal colectivo proceder à comunicação da alteração não substancial e substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
VII – No crime de tráfico de estupefacientes o resultado típico é obtido pela realização inicial da conduta ilícita mas o conjunto das múltiplas atuações reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é, normalmente, tratada unificadamente pela lei como correspondente a um só crime.
VIII – Se alguns dos actos integradores do crime de tráfico de estupefacientes ocorreu depois da data referida no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, está liminarmente afastada a aplicabilidade do perdão de pena nela estabelecido.

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