Violência doméstica. Consciência da ilicitude. Impugnação da matéria de facto. Imputações genéricas. Alteração da pena. Alteração do valor da indemnização

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. IMPUTAÇÕES GENÉRICAS. ALTERAÇÃO DA PENA. ALTERAÇÃO DO VALOR DA INDEMNIZAÇÃO

RECURSO CRIMINAL Nº 227/22.4GBLSA.C1
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Data do Acórdão: 10-04-2024
Tribunal: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3)
Legislação: ARTS. 152º, 71º DO CÓDIGO PENAL; 374º, N.º 2, 412º, N.ºS 3 E 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; 496º, N.º 4, DO CÓDIGO CIVIL

 Sumário:

I – A consciência da ilicitude não é um dos elementos subjectivos do tipo, relevando apenas em termos de culpa.
II – Agir com o propósito de …, é agir de propósito, que é o contrário de agir sem querer, involuntariamente ou acidentalmente, bastando essa imputação e não sendo necessário alegar fórmulas tabelares como “Agiu livre, voluntária e conscientemente”.
III – Quando o Recorrente não dá cumprimento ao disposto no art.º 412º/3/4, não fazendo as especificações impostas por esta norma, fica o tribunal da Relação impossibilitado de reapreciar a matéria de facto.
IV – Quando a fundamentação da matéria de facto explica, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para fixar a matéria de facto e esse caminho é razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, é inatacável.
V – Integram o conceito de imputações genéricas, para efeitos penais, as que não especificam as condutas em que se concretizou o crime, nomeadamente não indicam as circunstâncias de tempo e lugar, motivação, grau de participação e outras relevantes.
VI – Nos crimes de violência doméstica, abuso sexual ou outros em que exista uma reiteração de condutas ao longo de um período relativamente longo, numa dinâmica intrafamiliar, os actos isolados tornam-se mais difíceis de concretizar no tempo e espaço, tanto maior quanto maior o seu número e o distanciamento temporal entre as ocorrências e a acusação e/ou o julgamento, admitindo-se, por tal razão, uma menor pormenorização dos factos.
VII – Sendo, embora, imputação genérica dizer-se “Desde o início do relacionamento, e durante o período da coabitação…, sempre que ingeria bebidas alcoólicas, adotava um comportamento agressivo, ciumento, e controlador dos movimentos da vítima, infligindo maus tratos físicos e verbais na mesma”, este enquadramento geral do contexto relacional em que o crime de violência doméstica foi perpetrado é importante e deve, por isso, ser mantido.
VIII – A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares;
IX – Embora os tribunais de recurso possam alterar o valor do dano fixado com recurso a critérios de equidade, só o devem fazer quando o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
(Sumário elaborado pelo Relator)

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