Usucapião. Disposição contrária à possibilidade de usucapir de direito urbanístico. Modificação do título da propriedade horizontal. Litigância de má fé. Quantitativo da multa

USUCAPIÃO. DISPOSIÇÃO CONTRÁRIA À POSSIBILIDADE DE USUCAPIR DE DIREITO URBANÍSTICO. MODIFICAÇÃO DO TÍTULO DA PROPRIEDADE HORIZONTAL. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. QUANTITATIVO DA MULTA

APELAÇÃO Nº 4634/19.1T8CBR.C1
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acórdão: 10-10-2023
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA
Legislação: ARTIGO 542.º, DO CPC; ARTIGO 27.º, 3 E 4, DO RCP; ARTIGOS 1287.º; 1288.º; 1414.º; 1415.º; 1417.º E 1419.º, DO CÓDIGO CIVIL

 Sumário:

I – A usucapião não constitui um instituto jurídico isolado, pois que ela não pode ser desconectada nem muito menos funcionar de forma contrária ou conflituante com outras normas que a condicionam ou impedem.
II – É por assim ser que o legislador na formulação expressa no art. 1287º do C.Civil, ao definir a usucapião, previu que esta forma de aquisição originária não pode ser invocada quando exista “disposição em contrário”, sendo que este efeito impeditivo se verifica no direito do urbanismo, nas regras sobre construções e edificações ou no regime jurídico-civilístico da propriedade horizontal.
III – Assim, o exercício de posse usucapível sobre parte delimitada de uma fração autónoma em regime de propriedade horizontal não conduz, por si só, à aquisição de um direito de propriedade singular sobre essa parte, destacável daquela fração, já que essa parte não é suscetível, no quadro daquele regime, de constituir unidade independente, nos termos do arts. 1414º e 1415º do C.Civil.
IV – Ademais, se a modificação do título apenas pode ser efetuada por acordo de todos os condóminos [cf. art. 1419º do mesmo C.Civil], nunca seria possível constituir e adquirir por usucapião, através de decisão judicial, uma parte da área de um edifício objeto de propriedade horizontal, para agregar a uma fração existente, porque isso implicaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e esta alteração só é possível, nos termos do artigo supracitado, por acordo de todos os condóminos legalmente formalizado.
V – A condenação por litigância de má fé pressupõe o dolo ou a negligência grave (cf. art. 542º, nº2 do n.C.P.Civil), na violação do dever de boa fé processual que deve pautar a atuação da parte que litiga em juízo.
VI – Sendo que deve ter lugar uma condenação neste quadro quando seja seguro que ao alegar como alegou, a parte tenha “alterado a verdade dos factos”, com dolo ou negligência grave, designadamente, querendo convencer de uma realidade que conhece ser diferente, portanto, deturpando ou corroendo aquilo que sabe que assim não é, sendo que estarão, ainda, principalmente aí em vista os factos pessoais ou, pelo menos, aqueles que sejam do conhecimento pessoal da parte, e cuja prova se venha, depois, a fazer em contrário daquilo porque ela pugnara [al. a) do nº2 do dito art. 542º do n.C.P.Civil].
VII – Mas a condenação a esse título numa multa de 10 UCs mostra-se “excessiva”, atendendo a poder ela variar entre 2 a 100 UCs, sendo que os AA. deduziram a sua demanda assente em títulos que eram documentos autênticos e objetivamente incontestados, para além de que vieram, a final, a obter ganho de causa quanto ao núcleo central da sua pretensão, donde, o grau de censurabilidade com que pode ser efetivamente qualificado o comportamento/conduta processual dos AA., resultou objetivamente atenuado, a final (cf. art. 27º, nos 3 e 4 do Regulamento das Custas Processuais).

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