Unidade e pluralidade de infrações. Crime continuado. Condução de veículo em estado de embriaguez
UNIDADE E PLURALIDADE DE INFRACÇÕES. CRIME CONTINUADO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
RECURSO CRIMINAL Nº 122/17.9GCSEI.C1
Relator: BRIZIDA MARTINS
Data do Acordão: 23-05-2018
Tribunal: GUARDA (J C GENÉRICA DE SEIA – J1)
Legislação: ART. 30 DO CP
Sumário:
- Decisivo para a determinação da unidade ou pluralidade de crimes é a “unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal” (Figueiredo Dias, “Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2007, 1018/1019).
- Se o facto global, apenas, preenche um tipo legal, será de presumir que estamos perante uma unidade de facto punível, presunção que pode ser elidida se se mostrar que o mesmo tipo legal de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente.
- O comportamento global do arguido depois que foi fiscalizado e detido pelos agentes policiais por conduzir um veículo automóvel na via pública sob influência do álcool e de ter sido advertido de que não poderia conduzir nas 12 horas imediatamente seguintes preenche os tipos legais de desobediência e de condução de veículo em estado de embriaguez.
- O arguido que após fiscalização, com a submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue e a todo um conjunto de procedimentos legais, nomeadamente a sua detenção, constituição de arguido, notificação para comparência em tribunal, libertação e notificação de que não poderia conduzir no prazo de 12 horas, sob pena de cometer um crime de desobediência, afigura-se-nos inequívoco que o mesmo teve necessariamente de formular um novo desígnio para voltar a conduzir, diferente do primeiro e dele separado temporalmente.
- Perante a afirmação da existência de duas resoluções criminosas, consumadas em actos independentes e distintos no espaço e no tempo, sem que o segundo tenha sido favorecido pelo primeiro, no quadro de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (caso em que haveria um único crime continuado), impõe-se concluir pela verificação de dois crimes de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Código Penal.
- A tipicidade do crime de condução em estado de embriaguez exige a condução de veículo automóvel na via pública após a ingestão de bebidas alcoólicas e sob o efeito das mesmas, ao passo que no crime de desobediência qualificada se prescinde da verificação de efetiva embriaguez durante a condução automóvel.
- Pelo que se verifica concurso efectivo, de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, e de um crime de desobediência qualificada, não ocorrendo qualquer situação de concurso aparente, mormente de consumpção.
- Não se verifica violação do princípio ne bis in idem, consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, com base na alegação de que autonomizar o conteúdo do ilícito da segunda condenação sob o efeito do álcool significaria uma dupla valoração do mesmo substrato de facto.