Transmissão de estabelecimento. Transmissão da posição contratual de empregador. Oposição do trabalhador à transmissão. Despedimento ilícito. Prejuízo sério

TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO. TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DE EMPREGADOR. OPOSIÇÃO DO TRABALHADOR À TRANSMISSÃO. DESPEDIMENTO ILÍCITO. PREJUÍZO SÉRIO

APELAÇÃO Nº   3037/20.0T8CBR.C1
Relator: AZEVEDO MENDES
Data do Acórdão: 16-09-2022
Tribunal: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTS. 285.º, 286.º-A E 381.º, AL.ª C), DO CÓDIGO DO TRABALHO E PORTARIAS N.º 307/2019 E N.º 308/2019, AMBAS DE 13-9

Sumário:

I – Para se verificar transmissão de estabelecimento à luz do regime jurídico do art. 285.º do Código do Trabalho, importa verificar se a transmissão tem por objecto uma unidade económica que mantenha a sua identidade e de autonomia, com vista à prossecução de uma actividade económica.
II – Nessa verificação, para apurar da identidade económica deve o intérprete recorrer-se a um método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão, envolvendo a ponderação de factores como o tipo de actividade, a transmissão ou não de elementos do activo (bens corpóreos e incorpóreos), o valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, a continuidade da clientela, a permanência do pessoal e o grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção.
III – No caso das empresas de segurança, com actividade assente essencialmente na mão de obra, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços a outra empresa, é determinante para se concluir pela existência de unidade transmitida a verificação que a nova prestadora integrou na organização do seu trabalho de prestação o essencial dos efectivos humanos antes ao serviço da anterior prestadora Securitas e que ocorreu mesmo a execução de um protocolo de transmissão muito apropriado à transmissão de uma unidade organizativa dotada de identidade operacional.
IV – No âmbito da aplicação das portarias n.º 307/2019 e n.º 308/2019, que procederam à extensão, respectivamente, das alterações do contrato colectivo entre a AES e o STAD e às alterações do contrato colectivo entre a mesma AES e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços – FETESE e outro, ambas publicadas no BTE n.º 48 de 29.12.2018, estendido que foi o regime inovador da cláusula 14.ª de ambos os CCT, no caso de sucessão de empregadores na prestação de serviços de segurança privada que tenha expressão em perda total ou parcial da prestação de serviço, transmitem-se para o novo prestador a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores antes afectos à prestação transmitida, ainda que não seja verificável uma transmissão de uma unidade económica autónoma à luz do artigo 285.º do CT.
V – O artigo 286.º-A do Código do Trabalho consagra o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em termos mais amplos do que os n.ºs 13 das cláusulas 14.ª daqueles CCT estendidos, pelo que no caso da verificação de concorrência de fundamentos para a transmissão – sucessão em caso de transmissão de unidade económica e sucessão por perda de cliente – é o regime do art. 286.º-A aquele que é o aplicável, uma vez que o artigo 3.º do CT só permite que as normas legais reguladoras da transmissão de empresa ou estabelecimento sejam afastadas por IRCT quando este disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores.
VI – O artigo 286.º-A do CT contém um fundamento geral para o exercício da oposição, o do “prejuízo sério” e dois exemplos – situações de “manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente” e “a política de organização do trabalho deste não […] merecer confiança” – que não excluem outros, mas que auxiliam a tarefa do intérprete, designadamente na adopção de critérios mais ou menos abertos para o que é o relevante “prejuízo sério”.
VII – É suficiente para fundamentar validamente a oposição, a alegação comprovada que o transmissário da unidade de serviço de vigilância recusou ao trabalhador garantir os direitos emergentes do contrato com a transmitente, só o aceitando ao trabalho se subscrevesse um novo contrato.
VIII – Nessa situação, o trabalhador tem todas as razões para se confrontar com uma real possibilidade de prejuízo sério, de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, o que é mais do que suficiente para razoavelmente não ter confiança na política de organização da transmissária.

(Sumário elaborado pelo Relator)

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