Tráfico de pessoas. Bem jurídico protegido. Natureza do crime
TRÁFICO DE PESSOAS. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. NATUREZA DO CRIME
RECURSO CRIMINAL Nº 685/13.8JACBR.C1
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data do Acordão: 30-09-2020
Tribunal: COIMBRA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2)
Legislação: ART. 160.º DO CP
Sumário:
- O bem protegido pelo tipo de crime de tráfico de pessoas (artigo 160.º do CP) não se reduz à liberdade pessoal, de decisão e acção de outra pessoa; antes abrange, no seu todo, a dignidade, como pessoa humana, da vítima.
- Aquele crime é um ilícito de resultado cortado e de execução vinculada.
- De execução vinculada, porquanto a sua verificação deve ser alcançada através de um dos meios tipificados nas diversas alíneas do n.º 1.
- A violência prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 160.º tanto pode ser física (recurso à agressão física), como psíquica (recurso a mecanismos de domínio da vontade da vítima).
- A ameaça grave deve conter o anúncio de um mal futuro portador de um mal importante.
- O “ardil ou manobra fraudulenta” [al. b)] consiste numa acção pela qual o agente engana outrem sobre o significado, o propósito e as consequências da sua opção, não sendo suficiente o mero aproveitamento passivo de engano alheio, não provocado pelo agente.
- Nos termos e para os efeitos previstos na al. d), encontra-se numa condição de especial vulnerabilidade quem não tem uma alternativa real e aceitável senão submeter-se ao que lhe é proposto, conformando-se a ideia de aceitabilidade a um critério de razoabilidade e ao humanamente aceitável, designadamente em casos de emigração ilegal, podendo a situação de fragilidade verificar-se menos na aceitação de determinado trabalho, e mais durante a execução de tarefas.
- Estão nestas circunstâncias pessoas fragilizadas por questões de saúde, dependência, exclusão social e carências económicas, levadas para um país estrangeiro – no caso, para Espanha –, sob o falso pretexto de irem trabalhar e serem bem remuneradas, não lhes sendo possível reagir de outra forma que não seja a de se submeterem à vontade do traficante e aos abusos por este praticados.