Saneamento do processo. Rejeição da acusação. Burla. Tipo legal de crime. Tipo subjectivo

SANEAMENTO DO PROCESSO. REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO. BURLA. TIPO LEGAL DE CRIME. TIPO SUBJECTIVO
RECURSO CRIMINAL Nº
189/14.1PFCBR.C1
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Data do Acordão: 07-03-2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal: COIMBRA (JL CRIMINAL – J1)
Legislação: ARTS.122.º, 283.º, 311.º E 445, DO CPP; ART. 32.º DA CRP
Sumário:

  1. O fundamento de rejeição [da acusação], por manifestamente infundada, só pode ser aferido diante do texto da acusação; é da sua interpretação que se concluirá, designadamente, se falta ou não a narração de factos que integram os elementos típicos objetivos e subjetivos de um determinado ilícito criminal.
  2. A falta, na acusação, de todos ou alguns dos elementos caracterizadores do tipo subjetivo do ilícito, mais propriamente, do dolo, não pode ser integrada no julgamento nem por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP, nem sequer através do mecanismo do art. 359.º, do mesmo Código, devendo o Juiz atalhar o vício antes de chegar àquela fase.
  3. No tipo subjetivo de ilícito, necessário ao preenchimento do crime de burla exige-se o dolo do tipo, conceitualizado, na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade referidos a todos os pressupostos do tipo objetivo, e o dolo da culpa, traduzido na consciência, por parte do arguido, de que com a sua conduta sabe que atua contra direito, com consciência da censurabilidade da conduta.
  4. O crime de burla exige ainda um dolo adicional, traduzido na intenção do agente obter um acréscimo para o seu património ou de terceiro, sem que se torne necessária a verificação do enriquecimento.
  5. O comportamento só é pressuposto da sanção quando nele se integra também a consciência do significado jurídico desse mesmo comportamento; não basta a ilicitude objetiva, importa também a culpabilidade e para esta é necessária a consciência da ilicitude dos factos objetivamente ilícitos.
  6. A deficiente descrição dos factos integradores do elemento subjetivo do tipo de burla (e é de deficiente e insuficiente descrição do tipo subjetivo que se trata no caso sub judice e não de omissão integral de descrição do tipo subjetivo), não é susceptível de ser integrada, em julgamento.
  7. Rejeitada a acusação, o juiz não deve determinar, ao abrigo do art.122.º do C.P.P., a devolução dos autos à fase de inquérito, em ordem à posterior correção da acusação pública, pelo Ministério Público.
  8. Uma decisão nesse sentido não só não respeitaria o disposto no art.311.º, n.º 2, do C.P.P., como constituiria uma ingerência judicial nos poderes atribuídos ao Ministério Público e colocaria em causa as legítimas expectativas do arguido e as garantias de defesa constitucionalmente tuteladas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
  9. A decisão do STJ que resolver conflito de jurisprudência não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada.

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