Revisão de sentença estrangeira. Sentença judicial inglesa. Regulação das responsabilidades parentais. Convenção da haia de 1996. Princípio do interesse da criança. Ordem pública internacional do estado português

REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SENTENÇA JUDICIAL INGLESA. REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS. CONVENÇÃO DA HAIA DE 1996. PRINCÍPIO DO INTERESSE DA CRIANÇA. ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS

REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA Nº 4/23.5YRCBR
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Data do Acórdão: 24-10-2023
Tribunal: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 978.º E 980.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 8.°, N.° 2, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E 1879.° DO CÓDIGO CIVIL

 Sumário:

I – Com a saída do Reino Unido da União e com o termo do período de transição, ocorrido em 31 de Dezembro de 2020, a aplicação da Convenção da Haia relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Protecção das Crianças (Convenção da Haia de 1996), celebrada no quadro da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, foi repristinada na totalidade nas relações dos Estados-Membros da União com o Reino Unido, a partir de 1 de Janeiro de 2021;
II – As medidas tomadas por um Estado contratante da Convenção da Haia de 1996, designadamente em matéria de responsabilidade parental, são reconhecidas por força de lei em todos os outros Estados contratantes; a Convenção consagra, assim, o princípio do reconhecimento de pleno direito em qualquer Estado contratante das medidas adoptadas por outro Estado contratante, pelo que as decisões proferidas por um Estado contratante são reconhecidas ipso iure noutro Estado contratante, portanto, sem necessidade do recurso a qualquer procedimento: o reconhecimento é, por isso, automático;
III – A Convenção da Haia de 1996 admite, todavia, o reconhecimento ou não reconhecimento expresso – e autónomo – uma vez que qualquer interessado pode solicitar às autoridades competentes de qualquer outro Estado contratante o reconhecimento ou o não reconhecimento das medidas tomadas noutro Estado subscritor, através de um procedimento de reconhecimento regido pela lei do Estado requerido;
IV – Os fundamentos de recusa do reconhecimento admitidos pela Convenção da Haia de 1996 obedecem a um princípio de numerus clausus: os fundamentos de recusa, pelo Estado contratante requerido, do reconhecimento são apenas os taxativamente especificados na Convenção, sendo certo que qualquer dos fundamentos individualizados pode autorizar a recusa, pelo Estado requerido, do reconhecimento – mas não a impõe.
V – Nos termos da mesma Convenção, o reconhecimento de uma sentença proferida em matéria de responsabilidade parental por um Estado contratante pode ser recusado por outro Estado contratante se esse reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado requerido, mas na apreciação da violação da ordem pública importa considerar o superior interesse da criança, motivo pelo qual há que proceder a uma análise integrada da ordem pública e do interesse proeminente da criança; a manifesta contrariedade com a ordem pública do Estado requerido não é, por isso, suficiente para se excluir o reconhecimento, uma vez que é preciso ponderar a situação, tomando em consideração, cumulativamente, o superior interesse da criança;
VI – O recurso à cláusula de ordem pública só deve admitir-se quando o reconhecimento – ou a execução – da decisão proferida noutro Estado contratante da Convenção da Haia de 1996 viole de forma inaceitável a ordem jurídica do Estado requerido, por atentar contra um princípio fundamental; de modo a respeitar a proibição expressa de revisão de mérito da decisão estrangeira, contida na Convenção da Haia de 1996, esse atentado deve constituir uma violação manifesta de uma regra de direito considerada essencial na ordem jurídica do Estado requerido ou de um direito reconhecido como fundamental nessa ordem jurídica;
VII – De harmonia com a Convenção da Haia de 1996 o único caso em que a existência de decisões concorrentes que obstam ao reconhecimento é o da decisão posterior de um Estado não contratante da residência habitual da criança, desde que a decisão deste último Estado reúna as condições necessárias para ser reconhecida no Estado requerido;
VIII – A proibição de révision au fond não contende, evidentemente, com a possibilidade de uma autoridade que seja competente regular de novo a responsabilidade parental, sempre que se tenha verificado uma alteração das circunstâncias, alteração que pode consistir na mudança da residência habitual da criança;
IX – A concessão do exequatur à sentença estrangeira deve ser pedida expressamente pelo interessado.
(Sumário elaborado pelo Relator)

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