Revisão de sentença estrangeira. Ordem pública internacional do estado português. Privilégio da nacionalidade

REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS. PRIVILÉGIO DA NACIONALIDADE

REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA Nº  86/22.7YRCBR
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acórdão: 13-12-2022
Tribunal: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 980.º, N.º 1, ALÍNEA F), E 983.º, N.º 2, AMBOS DO CPC.

Sumário:

I – O nosso sistema de revisão de sentenças estrangeiras é, em regra, de revisão meramente formal, face ao que o Tribunal português competente para a revisão e confirmação deve verificar se o documento apresentado como sentença estrangeira revidenda satisfaz certos requisitos de forma, tal como elencados no art.º 980.º do C. P. Civil, não existindo, em princípio, um controlo de boa aplicação do direito pelo tribunal estrangeiro.
II – O art.º 980.º, al. f) do C. P. Civil exige que a sentença a rever «não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português».
III – A partilha de bens comuns do casal, feita em ação de divórcio, proferida por tribunal estrangeiro, na qual se atribui a um dos cônjuges (aqui Requerente), sem qualquer contrapartida (tornas) para o outro (o aqui Requerido), os bens imóveis comuns situados em Portugal, se é certo que viola a ordem pública interna nacional [na medida em que, por força do princípio da imutabilidade do regime de bens consagrado no art. 1714º do C.Civil, a partilha sempre teria que respeitar a regra da metade, logo os imóveis sitos em Portugal, sendo bens comuns, jamais poderiam ser atribuídos em propriedade exclusiva à Requerente, sem qualquer contrapartida económica (tornas) para o Requerido], também viola a “ordem pública internacional do Estado Português” [cf. art. 980º, al. f) do n.C.P.Civil] enquanto violação do direito de propriedade, constitucionalmente garantido (cf. art. 62º da CRP), por se traduzir numa espécie de expropriação particular, sem qualquer indemnização.
IV – Por outro lado, se existe a regra afirmada em primeiro lugar, também existe a exceção à mesma quando a sentença tenha sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, caso em que a impugnação também pode ser fundada na circunstância de que o resultado da ação lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos da lei portuguesa – é o designado “privilégio da nacionalidade”, constante do art. 983º, nº2, do n.C.P.Civil.
V – Assim, se, segundo o direito substantivo português, o resultado da decisão, no que concerne à partilha dos bens do casal, seria inquestionavelmente mais favorável ao Requerido [por força do já aludido princípio da imutabilidade do regime de bens], também por aí existe obstáculo ao reconhecimento, com fundamento no “privilégio da nacionalidade”.

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