Responsabilidade civil bancária. Cheques. Conferência de assinatura. Abuso de direito na modalidade de ‘tu quoque’

RESPONSABILIDADE CIVIL BANCÁRIA. CHEQUES. CONFERÊNCIA DE ASSINATURA. ABUSO DE DIREITO NA MODALIDADE DE ‘TU QUOQUE’
APELAÇÃO Nº
8525/16.0T8CBR.C1
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data do Acordão: 13-11-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J.L. CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 1
Legislação: REGULAMENTO DO SISTEMA DE COMPENSAÇÃO BANCÁRIA (SICOI).
Sumário:

  1. O banco sacado antes de proceder ao pagamento do cheque deve proceder à conferência da assinatura do sacador, comparando-a com o espécime existente no banco.
  2. O saque é irregular quando se verificar divergência de assinatura, assinatura de titular que não conste da ficha de abertura de conta, insuficiência de assinatura ou assinatura não autorizada para realizar determinado saque.
  3. A circunstância do Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) permitir que os cheques cujos montantes sejam iguais ou inferiores a determinada verba não sejam aferidos pela entidade sacada se colocados na rede interbancária, não sendo assim sujeitos a qualquer exame no que concerne à regularidade da sua emissão, não conduz à irresponsabilidade do banco, que tem que assumir o risco decorrente dessa conduta propositadamente omissiva, devendo indemnizar a clientela em todos os casos em que, não obstante se tratar de um saque irregular, o cheque é pago.
  4. Na situação dos autos, o banco sacado, em função dessa praxis, não procedeu à conferência das assinaturas em oito cheques que se mostram assinados por duas pessoas que não correspondem às que, de acordo com a ficha de assinaturas da conta em causa, tinham poderes para os emitir, mas que eram então sócios e gerentes da sociedade a quem pertencia a conta bancária, embora ainda não constassem do registo comercial enquanto tal.
  5. Verifica-se que o A. na ação, no período em que esses cheques foram emitidos, continuou a ser sócio da sociedade em causa e seu gerente, sem que no entanto pudesse sozinho emitir cheques da conta em causa, na medida em que os mesmos só podiam ser emitidos por ele e outro gerente que renunciara à gerência, mostrando-se já registada essa renúncia.
  6. Estava o mesmo obrigado, nessas circunstâncias, a entregar a caderneta de cheques ao banco e a relatar ao mesmo as circunstâncias factuais em função das quais tinham entrado para a gerência da sociedade duas outras pessoas que não coincidiam com as que de acordo com a ficha de assinaturas tinham poderes para assinar os cheques.
  7. Não o tendo feito, manteve a possibilidade de, se movimentos nela houvesse que sendo provocados por cheques assinados pelos novos gerentes, não fossem do seu agrado, sempre os poder paralisar invocando a ilicitude do comportamento do banco.
  8. Foi o que fez na presente ação, depois que, tendo aqueles oito cheques sido pagos por recurso ao plafond de crédito existente em contrato de abertura de crédito em conta corrente por cujo pagamento se responsabilizara pessoalmente, bem como a A. sua mulher, tendo para tal os mesmos assinado uma livrança, tendo deixado de existir plafond nessa conta, o banco não pagou um nono cheque.
  9. Pede ele e a mulher que se declare que o banco incumpriu culposamente as condições de movimentação da conta de que era titular a sociedade; que o mesmo incumpriu culposamente o contrato de abertura de crédito por conta corrente, quando efectuou o pagamento dos cheques, por conta desse crédito; que é ilegal o saldo negativo dessa conta criado para fazer face ao pagamento desses cheques, e por isso se declare que eles, como garantes das responsabilidades emergentes dessa conta, não têm ou não tinham, a obrigação de assumir o pagamento daquele saldo; e se condene o banco a pagar-lhes, a um e a outro, indemnização por danos patrimoniais e danos morais que ambos sofreram em consequência de, por virtude daquele não pagamento, o nome dos mesmos ter sido feito constar da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
  10. Entende-se que os AA. agem na ação em abuso de direito na modalidade de tu coque, pois quem violou primeiro a convenção de cheque ao omitir ao banco as alterações societárias entretanto ocorridas e não lhe fazendo entrega da caderneta de cheques foi o A., sendo que quando ele e a mulher acusam o banco de não ter cumprido a obrigação de ter verificado a regularidade dos saques dos acima referidos cheques se estão a prevalecer daquela sua primeira infração. Ora «aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partido da violação exigindo, a outrém, o acatamento das consequências daí resultantes».
  11. A A., colocando-se ao lado do marido como lesada pelo comportamento do banco, está também ela a aproveitar a situação ilícita que o marido criou junto deste e, por isso, também ela age em abuso de direito. 

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