Requerimento de abertura de instrução. Crime de maus tratos. Crime de falsificação ou contrafacção de documento. Crime de violação de segredo por funcionário. Crime de acesso ilegítimo. Elementos subjectivos dos crimes imputados

REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO. CRIME DE MAUS TRATOS. CRIME DE FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFACÇÃO DE DOCUMENTO. CRIME DE VIOLAÇÃO DE SEGREDO POR FUNCIONÁRIO. CRIME DE ACESSO ILEGÍTIMO. ELEMENTOS SUBJECTIVOS DOS CRIMES IMPUTADOS

RECURSO CRIMINAL Nº 59/21.7T9CLD.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acórdão: 22-02-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 287.º, N.º 2, 308.º, N.º 1, 309.º, N.º 1, E 339.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; ARTIGO 152.º-A, N.º 1, AL. A), E 256.º, N.º 1, AL. E), DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 6.º, N.º 1, DA LEI N.º 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO

Sumário:

I – O facto de o requerimento de abertura de instrução não estar sujeito a formalidades especiais não significa que seja informal, já que deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância com o decidido pelo Ministério Público, deve indicar os actos de instrução pretendidos, deve enumerar os meios de prova produzidos que não foram valorados e deve indicar os factos que, com tais actos e meios de prova, se pretende provar, como resulta do art. 287º, nº 2, do C.P.P.
II – Quando a instrução visa a comprovação judicial do despacho de arquivamento do Ministério Público há que analisar uma questão que é prévia à suficiência ou insuficiência dos indícios, que é a de saber que elementos devem, obrigatoriamente, constar do requerimento para abertura da instrução e quais as consequências da sua omissão.
III – Neste caso o requerimento de abertura de instrução do assistente tem que se estruturar, substancialmente, como uma verdadeira acusação, alternativa à que foi omitida pelo Ministério Público, porque é ele que vai definir o objecto da instrução, balizando quer o âmbito da investigação a levar a efeito pelo juiz de instrução, quer o âmbito da própria decisão instrutória, porquanto a decisão instrutória que pronuncie o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos naquele requerimento é nula, nos termos do nº 1 do art. 309º do C.P.P.
IV – O crime de maus tratos da alínea a), do n.º 1 do art. 152.º-A do Código Penal tem como tipo objectivo a inflicção, pelo agente, a pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, que tenha ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação ou a trabalhar ao seu serviço, de modo reiterado ou não, de maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente, e como tipo subjectivo o dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal.
V – O crime de falsificação ou contrafacção de documento da alínea e), do n.º 1 do art. 256.º do Código Penal tem como tipo objectivo que o agente use documento falso, documento contrafeito por abuso da assinatura de outra pessoa, ou documento do qual conste, falsamente, facto jurídico relevante, e como tipo subjectivo o dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; o dolo específico, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
VI – O crime de violação de segredo por funcionário do n.º 1 do art. 256.º do Código Penal, tem como tipo objectivo que o agente, na qualidade de funcionário, sem a autorização devida, revele segredo de que tenha tomado conhecimento ou lhe tenha sido confiado no exercício das suas funções, ou cujo conhecimento lhe tenha sido facilitado pelo cargo que exerce, e como tipo subjectivo o dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; o dolo específico, a intenção de obter para si ou para terceiro, benefício, ou com a consciência de causar prejuízo ao interesse público ou a terceiro.
VII – O crime de acesso ilegítimo do n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro, tem como tipo objectivo que o agente, sem permissão legal ou sem autorização do proprietário, ou de outro titular do direito do sistema, de qualquer modo aceda a um sistema informático, e como tipo subjectivo o dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade.
VIII – Ao omitir o dolo relativamente a crimes dolosos a acusação alternativa que o RAI configura imputa factos que não constituem crime.
IX – Esta deficiência não é susceptível de sanação, mediante convite formulado à assistente para o seu aperfeiçoamento, e também não é lícito ao senhor juiz de instrução suprir a omissão na decisão instrutória.

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