Regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico. Contrato de serviço doméstico. Justa causa de rescisão do contrato. Indemnização. Nulidade de sentença. Falta de fundamentação

REGIME JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO EMERGENTES DO CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO. CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO. JUSTACAUSA DE RESCISÃO DO CONTRATO. INDEMNIZAÇÃO. NULIDADE DE SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
APELAÇÃO Nº
121/07.0T8FIG.C1
Relator: FELIZARDO PAIVA
Data do Acordão: 26-10-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA- JUÍZO DO TRABALHO DA F. FOZ
Legislação: ARTºS 2º, AL. D), 29º E 31º DO DEC. LEI Nº 235/92, DE 24/10; ARTºS 9º, 353º E 357º DO C.T.. ARTº 615º, Nº 1, AL. B) DO NCPC
Sumário:

  1. A nível jurisprudencial desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
  2. Nos termos do artº 29º do DL 235/92, de 24/10 “ (diploma que estabelece o regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico) “1 – Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. 2 – Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato. 3 – No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem. 4 – A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço”.
  3. Esta norma deverá ser conjugada mutatis mutandis com o disposto no artº 353º do CT (nota de culpa), com o nº4 do artº 357º, e com o nº3 do artº 387º ambos do mesmo diploma, pelo que na ação de apreciação judicial da rescisão o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da comunicação escrita enviada ao trabalhador em que manifestou a vontade de fazer cessar o contrato com justa causa.
  4. Ora, “enquanto o artigo 395.º, n.º 1, do CT usa a expressão “com indicação sucinta dos factos que a justificam”, o artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico determina que a parte que o rescinde deve referir, “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que fundamentem a rescisão. Ou seja, a redacção do artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico está mais próxima, em termos de conteúdo, da redacção do artigo 353.º, n.º 1, do CT, que sob a epígrafe ‘Nota de culpa’, prescreve: “(…), juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”. Ora, como é sabido, a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar e descrever o modo como os factos foram praticados, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar correctamente a sua defesa. Por sua vez, o artigo 398.º, n.º 3, estipula: “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º1 do artigo 395º.”. E não também factos que, posteriormente, possam ser alegados no respectivo articulado da ação de impugnação. Este normativo assemelha-se ao n.º 4, parte final, do artigo 357.º do CT: “(…), não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”. A nosso ver, tal doutrina deve ser aplicada no regime jurídico do serviço doméstico, mais que não seja por força do citado artigo 9.º do CT/2009. A finalidade de tais normativos é, assim, a de garantir ao empregador (no caso de resolução pelo trabalhador), como ao trabalhador (no caso de despedimento pelo empregador invocando justa causa), além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental do direito. O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, como é o caso, só podiam ter sido exercidos pela autora, cabalmente, se a comunicação de rescisão tivesse referido “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que a fundamentavam, isto é, se o réu tivesse descrito de forma concreta e circunstanciada – no lugar, no tempo e no modo -, os factos imputados à autora, na carta de rescisão” – Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2016, retirado de www.dgsi.pt.
  5. Se bem que a existência de justa causa deva ser apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço, o facto do trabalhador não manter boas relações pessoais com alguns dos outros trabalhadores e da entidade empregadora não gostar também da forma como o trabalhador se lhe dirige e como fala consigo não constituem, sem mais, justa causa para se decretar o despedimento.
  6. A lei fala genericamente de indemnização, não distinguindo se a ilicitude resulta de razões substanciais ou formais (artº 31 do DL 235/92, de 24/10, “o despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo”).
  7. O despedimento ilícito quer tenha por base razões substanciais ou formais deve dar lugar a indemnização sob pena deste preceito se tornar “letra morta”.
  8. A ilicitude do despedimento confere a trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo.
  9. Contrato de serviço doméstico “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar e dos respectivos membros, nomeadamente: vigilância e assistência a pessoas idosas e doentes (artigo 2.º, d), do DL n.º 235/92 de 24/10).
  10. Conforme resulta deste regime das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, no caso de despedimento com alegação insubsistente de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado como tal, o mesmo confere ao trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, nos casos de contrato sem termo e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo – artigo 31.º do citado DL n.º 235/92, de 24/10.
  11. Significa isto que os trabalhadores do serviço doméstico com contrato sem termo, no caso de despedimento ilícito, têm direito a receber uma indemnização mas já não as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude, ou seja, a compensação a que alude o artigo 390.º do CT., sendo que, “ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerias deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade” – artigo 9.º do CT.
  12. O contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade mas já não a reintegração, sendo que, a “declaração de ilicitude do despedimento não produz efeitos retroactivos, não repõe em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, malogradamente, havia tentado por cobro, pelo que não se operando a restauração natural, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento dos salários de tramitação. 

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