Recurso de revisão. Apreciação da prova. Documento. Prazo. Litigância de má fé
RECURSO DE REVISÃO. APRECIAÇÃO DA PROVA. DOCUMENTO. PRAZO. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
APELAÇÃO Nº 536/2002.C1-A
Relator: CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 02-12-2014
Tribunal: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTS.771,772 CPC/61, 607, 662, 666, 696, 697 NCPC
Sumário:
- O recurso extraordinário de revisão foi criado pelo CPC de 1939, previsto no art. 771.º do CPC (696º NCPC), admitindo, nas situações aí taxativamente indicadas, a impugnação de decisões judiciais já cobertas pela autoridade do caso julgado, pretendendo-se assegurar o primado da justiça sobre a segurança. Ao contrário do recurso ordinário, que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão desfavorável, o recurso extraordinário de revisão visa a alteração de uma decisão já transitada, pelo que só é admissível em situações limite de tal modo graves que a subsistência da decisão em causa seja susceptível de abalar clamorosamente o princípio da desejada justiça material.
- O conceito de documento “é extensivo a coisas que não são escritos”., e na acepção ampla e rigorosa: é todo o objecto elaborado pelo homem (opus) para representar outra coisa ou facto. No termo “coisa” incluem-se as pessoas; e a representação ou imagem pode ser verbal, gráfica, plástica, etc, num conceito mais vasto que abrange os sinais ou contramarcas e até os próprios indícios; em dimensão mais ampla do que aquela que se reconduz a noção restrita (e mais usual): como todo o escrito que corporiza uma declaração de verdade ou ciência (declaração testemunhal: destinada a representar um estado de coisas) ou uma declaração de vontade (declaração constitutiva, dispositiva ou negocial: destinada a modificar uma situação jurídica preexistente).
- Não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento. A efectiva garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto (consignado no art. 662° do N.C.P.Civil), impõe que o Tribunal da Relação, depois de reapreciar as provas apresentadas pelas partes, afirme a sua própria convicção acerca da matéria de facto questionada no recurso, não podendo limitar-se a verificar a consistência lógica e a razoabilidade da que foi expressa pelo tribunal recorrido. É este, afinal, o verdadeiro sentido e alcance que deve ser dado ao princípio da liberdade de julgamento fixado no art. 607°, n°5 do N.C.P.Civil.
- Não preenche o fundamento do recurso de revisão do art. 771°, alínea c), do Cód. Proc, Civil (696º NCPC) a apresentação de documento com relevância para a causa e que, apenas em conjugação com outros elementos de prova produzidos em juízo, poderia modificar a decisão em sentido mais favorável à parte.
- O documento atendível como fundamento da revisão da decisão transitada em julgado nos termos estabelecidos na al. c) do art. 771.º do CPC (696º NCPC), terá de preencher, cumulativamente, o requisito da novidade e o requisito da suficiência. A novidade significa que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão em causa, seja porque ainda não existia, seja porque existindo, a parte não pôde socorrer-se dele e a suficiência significa que o documento implica uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
- Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da acção) e o recorrente conhecia a sua existência (ainda que dele se tivesse, como invoca, olvidado, por mero acidente mnésico, objecto de “recuperação” de memória ulterior).
- Não se verifica o requisito da suficiência se o teor do documento apresentado não infirma, por si só, os fundamentos da decisão a rever, subsistindo antes, perante eles, o fundamento em que se sustentou o juízo decisório. Designadamente, como se constata da diegese probatória consumada e da motivação/fundamentação expressa no processo decisório nos Autos aludidos.
- O prazo de sessenta dias a que se alude no n.° 2 do art. 772.º do CPC (697º NCPC) é um prazo substantivo. Tal prazo começa a contar-se, na hipótese prevista na alínea b)/c do art. 771.° do Cód. Proc. Civil (696º NCPC), a partir do momento em que a parte teve conhecimento (ou podia se o quisesse) do facto que constitui fundamento do recurso de revisão.
- Para a condenação como litigante de má fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas, designadamente quando «assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico». Tal é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1° da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o carácter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má-fé.