Recurso de facto. Ónus de impugnação. Passagens da gravação. Documento autêntico. Confissão. Prova testemunhal. Dação em cumprimento. Dação pro solvendo. Impugnação pauliana. Má fé
RECURSO DE FACTO. ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO. PASSAGENS DA GRAVAÇÃO. DOCUMENTO AUTÊNTICO. CONFISSÃO. PROVA TESTEMUNHAL. DAÇÃO EM CUMPRIMENTO. DAÇÃO PRO SOLVENDO. IMPUGNAÇÃO PAULIANA. MÁ FÉ
APELAÇÃO Nº 295/14.2T8CBR.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 16-02-2016
Tribunal: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL – J1
Legislação: ARTS. 640 CPC, 352, 355, 358, 610, 611, 837, 840 CC
Sumário:
- Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda.
- A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital, nem com a transcrição, total ou parcial, de depoimentos das testemunhas, pois tal transcrição é uma mera faculdade.
- A matéria de facto corresponde a ocorrências da vida; que mais não são do que manifestações externas de factos concretos simples ou complexos, naturais ou não, ou de factos humanos voluntários, ou representam factos internos ou fenómenos psicológicos, compreensíveis e articuláveis por qualquer pessoa, pelo comum mortal.
- A escritura pública de compra e venda não faz prova plena do pagamento do preço ao vendedor. Porém, a declaração do vendedor perante o notário de já ter recebido o preço, tem tal valor, porquanto implica o reconhecimento perante a parte contrária de um facto que lhe é desfavorável (arts. 352º, 355º, nºs 1 e 4, e 358º, nº 2, do CC).
- Por isso, se o vendedor alega que não recebeu o preço, impõe-se-lhe invocar a falsidade do documento autêntico ou fazer prova da falta ou vícios da vontade que inquinaram a declaração constante desse documento.
- Fora destas hipóteses, quando existir um princípio de prova por escrito suficientemente verosímil é possível o vendedor complementar, mediante testemunhas, a prova do facto contrário ao constante da declaração confessória; e também no caso de existirem nos autos outros elementos probatórios, designadamente confissão do comprador que obste à atribuição de natureza confessória à afirmação do vendedor do recebimento preço.
- Na dação em cumprimento, a prestação de coisa diversa da que for devida só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento (art. 837º do CC); diferentemente na dação em função do cumprimento, ou datio pro solvendo (art. 840º do CC), embora esta também tenha por objecto a realização de uma prestação diferente da que é devida, o seu fim não é o de extinguir imediatamente a obrigação, mas o de facilitar apenas o seu cumprimento, por exemplo por assunção de dívida através da emissão de cheque para facilitar ao credor a sua cobrança ou a execução em juízo se necessário.
- Como na prática, por vezes se torna difícil saber se em determinada situação há uma dação em cumprimento ou dação pro solvendo (ou até novação), o legislador aplanou tais dúvidas através da presunção estabelecida no art. 840º, nº 2, do CC, designadamente que a assunção de uma dívida, por exemplo através da emissão de uma letra ou cheque se presume como sendo uma dação pro solvendo.
- Não estando comprovado a extinção da obrigação fundamental, dívida da R., sociedade comercial, mediante uma dação em cumprimento com assentimento da A. credora, nem se mostrando ilidida a mencionada presunção, pela R., face à emissão de 4 cheques por cada um dos 4 sócios/gerentes da mesma para garantir oportunamente o pagamento da dívida dessa sociedade, estaremos perante uma dação pro solvendo e não perante uma dação pro solutum.
- Para obviar ao requisito inscrito no art. 610º, b), do CC – resultar do acto impugnado impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito (ou agravamento dessa impossibilidade), a lei (art. 611º) atribui ao devedor obrigado, e ao adquirente, o encargo de provar o devedor possui bens penhoráveis de valor igual ou superior ao da dívida.
- Para comprovar a má fé, prevista no art. 612º, nº 2, do CC, não exige a lei, que com o acto impugnado haja a intenção de provocar um dano ao credor, que devedor e adquirente ajam dolosamente (nas suas diversas modalidades de dolo directo, necessário ou eventual), bastando a mera consciência do prejuízo ou actuação com negligência consciente.