Apropriação ilícita por acessão. Consumação. Direito do arguido ao silêncio. Suspensão da execução da pena. Pagamento. Indemnização

APROPRIAÇÃO ILÍCITA POR ACESSÃO. CONSUMAÇÃO. DIREITO DO ARGUIDO AO SILÊNCIO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA. PAGAMENTO. INDEMNIZAÇÃO 
RECURSO CRIMINAL Nº
6348/10.9TDLSB.C1
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS 
Data do Acordão: 08-05-2013
Tribunal: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM 
Legislação: ARTIGOS 209.º E 51.º, N.ºS 1, ALÍNEA A), E 2, DO CP; ARTIGO 343.º, N.º 1, DO CPP
Sumário:

  1. O crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, p. e p. no artigo 209.º, n.º 1, do CP, se consuma quando a coisa sai da esfera de pertença do titular inicial e o agente adquire um mínimo de estabilidade no domínio de facto correspondente ao seu empossamento, uma estabilidade que lhe assegure uma possibilidade plausível de fruição e disposição do bem (ilicitamente) apropriado.
  2. Assim, só a partir do momento em que o arguido manteve em seu poder o montante transferido, por engano, pela lesada, para conta bancária de que aquele é titular – poder esse revelado através de actos demonstrativos da recusa na devolução da quantia transferida -, ocorre a consumação do referido ilícito penal.
  3. A génese do direito ao silêncio não assenta num intuito de beneficiar o arguido; antes decorre do princípio do contraditório, que impõe à acusação o dever de provar os factos imputados, facultando àquele um comportamento que, em última análise, poderá obstar à sua auto-incriminação.
  4. Mas se o silêncio constitui um direito do arguido, não se traduz, no entanto, numa circunstância atenuante, não implicando diminuição da culpa e redução da ilicitude do facto.
  5. Perante o disposto no artigo 51.º, n.º 2, do CP, a suspensão da execução da pena de prisão não pode ficar dependente de uma condição impossível, fisicamente impossível, e/ou de uma condição irrazoável.
  6. Contudo, o princípio da razoabilidade, se determina que a imposição de deveres, como seja o do pagamento, no todo ou em parte, da indemnização devida ao lesado, deve atender às forças do destinatário, o agente do crime, não deve cair no extremo que leve a considerar que esse dever contempla apenas as possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que está subjacente à figura jurídica em causa, qual seja o de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição.
  7. Na situação dos autos, embora o arguido seja estudante universitário, sem qualquer fonte de rendimento, mas tendo já havido negociações, ainda que infrutíferas, no sentido de restituição da quantia objecto da apropriação ilícita (€ 129999,19), é razoável a subordinação da suspensão da execução da pena de nove meses de prisão ao dever de o arguido, no prazo de seis meses, pagar à lesada aquele montante.

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