Prova testemunhal. Credibilidade. Princípio da livre apreciação. Bens impenhoráveis. Objetos de trabalho
PROVA TESTEMUNHAL. CREDIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO. BENS IMPENHORÁVEIS. OBJETOS DE TRABALHO
APELAÇÃO Nº 275/19.1T8TCS-A.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 09-02-2021
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO
Legislação: ARTºS 736º, 737º E 823º DO NCPC.
Sumário:
- A prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos. O Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter «prudente senso crítico» no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda».
- Em sede de recurso, suscitada a questão da sua credibilidade, na equivalência desse pretender (apenas) questionar a razão por que o tribunal atribuiu, eventualmente, maior, ou menor, crédito a uma dada testemunha, dentro da margem da formação da sua livre convicção, a sua apreciação, no universo da prova integral produzida, foi considerado como permitindo a inferência específica expressa.
- É certo que o princípio da livre apreciação da prova nunca atribui ao juiz “o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra as provas”, ou seja, a livre apreciação da prova não pode confundir-se “com uma qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios”, sendo “antes uma conscienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem”.
- Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova (342º Código Civil) é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
- Fundamentando o juiz a sua convicção na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e não havendo motivos que contrariem tal convicção, não há erro de julgamento se o juiz optou pela versão relatada pelo primeiro grupo das testemunhas, por tal forma o revelando a prova produzida, na compatibilidade à motivação/fundamentação exarada, como se verifica circunstancialmente. A mera discordância em relação ao decidido não constitui fundamento para invocação da previsão da al. c) do n.º 1 do art. 615.° do NCPC (2013), tanto mais que a estrutura do discurso apresenta coerência entre o juízo e as premissas que a ele conduzem.
- Havendo colisão entre o direito do credor/exequente a ver realizado o seu crédito e o direito do devedor/executado a não ser privado dos instrumentos do seu trabalho e dos objectos indispensáveis ao exercício da sua actividade profissional, o legislador optou pelo sacrifício do primeiro.
- A impenhorabilidade relativa prevista no nº 2 do artigo 823º do C.P.C. apenas abrange os instrumentos de trabalho e os objectos estritamente indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado.
- A função de garantia geral das obrigações que o património do devedor desempenha concretiza-se com a penhora, principal meio de agressão do património do devedor.
- Pode dizer-se que a regra é a penhorabilidade dos bens do devedor que respondem pelo cumprimento da obrigação. Mas também é sabido que há bens absoluta e relativamente impenhoráveis (os enumerados nos artigos 736.º e 737.º do Cód. Proc. Civil) e bens só parcialmente penhoráveis.
- Em tais termos, pois, mais «verificamos, essencialmente, que no n.º 1 do art. 737.º do NCPC se pretende acima de tudo garantir a realização de fins de utilidade pública, já o seu n.º 2 pretende-se garantir a subsistência do executado através do trabalho que realiza na sua atividade profissional. Portanto, os instrumentos de trabalho e os objetos indispensáveis ao exercício da atividade profissional ou formação profissional do executado por regra não podem ser penhorados, nomeadamente os bens estritamente ligados ao desempenho da sua profissão.
- O termo “profissão” traduz-se como sendo a forma de abranger qualquer tipo de atividade lícita, qualquer ocupação, qualquer ofício por mais rudimentar ou modesto que seja. Nesta linha de pensamento tenta-se proteger o “ganha-pão” das profissões liberais e de qualquer trabalho manual, ou formação.
- A impenhorabilidade “não resulta apenas da indisponibilidade (objetiva ou subjetiva) de certos bens ou de convenções negociais que especificamente a estipulem. Resulta também da consideração de certos interesses gerais, de interesses vitais do executado ou do interesse de terceiros que o sistema jurídico entende deverem-se sobrepor aos do credor exequente. Impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado.”. Portanto, uma “impenhorabilidade processual relativa filia-se em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade”.
- Verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, nº 1, alíneas b), c) e d) do CPC – art. 615° NCPC).