Prova proibida. Devassa da vida privada. Direito à imagem. Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Crime de gravações e fotografias ilícitas. Reproduções mecânicas. Causa de exclusão da ilicitude
PROVA PROIBIDA. DEVASSA DA VIDA PRIVADA. DIREITO À IMAGEM. DIREITO À RESERVA SOBRE A INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA. CRIME DE GRAVAÇÕES E FOTOGRAFIAS ILÍCITAS. REPRODUÇÕES MECÂNICAS. CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
RECURSO CRIMINAL Nº 303/22.6GCTND.C1
Relator: ALEXANDRA GUINÉ
Data do Acórdão: 25-10-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 26.º, N.º 1, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA/CRP; ARTIGOS 31.º, 192.º E 199.º DO CÓDIGO PENAL; ARTIGOS 125.º, 126.º E 167.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.; ARTIGOS 79.º, N.º 2, E 80.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – Sendo elemento típico do crime de devassa da vida privada, do artigo 192.º do Código Penal, a intenção de devassa da vida privada, fica afastada a tipicidade das acções que tenham finalidades probatórias.
II – Quer no direito à palavra, quer no direito à imagem, tutelados no crime de gravações e fotografias ilícitas, do artigo 199.º do Código Penal, estamos perante um bem jurídico eminentemente pessoal, com a estrutura de uma liberdade fundamental e que reconhece à pessoa o domínio exclusivo sobre a sua palavra e a sua imagem.
III – É pressuposto da invalidade de valoração probatória das reproduções mecânicas, a que se refere o n.º 1 do artigo 167.º do C.P.P., que elas sejam ilícitas, nos termos da lei penal, isto é, à proibição de valoração não basta o preenchimento típico, sendo ainda necessário que a reprodução mecânica seja ilícita.
IV – Nada obsta à valoração da prova se a licitude resultar de justificação legalmente prevista e será na justa ponderação de todos os interesses em presença que competirá aferir da ilicitude penal do comportamento de quem procedeu às gravações contrárias à vontade/não consentidas pelo visado, e/ou as utilizou, para depois se concluir ou não pela validade ou invalidade da sua valoração probatória.
V – Se a gravação não foi obtida de forma oculta e se no momento da filmagem a pessoa visada não se encontrava numa situação de privacidade ou de intimidade que não pudesse ser acedida por outras pessoas a reprodução mecânica não é ilícita.
VI – Tendo presidido às gravações e à sua junção aos autos «exigências de justiça», de que fala o n.º 1 do artigo 79.º do Código Civil, e sendo as mesmas necessárias para o exercício do direito da vitima de fazer a prova do crime, a ilicitude é excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade, nos termos dos artigos 20.º da CRP e 31.º, n.º 1, do Código Penal, revelando-se tal comportamento justificado.
VII – Quando a reprodução mecânica é adequada para a salvaguarda do interesse constitucional na descoberta do crime e punição do agente ela é proporcional sopesando os valores constitucionais conflituantes, que são os interesses público e da vítima na descoberta do crime, a eficiência penal, a segurança, a pacificação social e a justiça, e, depois, as garantias de defesa e os direitos de personalidade do agente, em respeito pelo disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, daqui resultando a lícitude da valoração probatória das gravações.