Propriedade. Ocupação. Contrato de comodato. Uso determinado. Direito de retenção. Ónus de impugnação especificada. Nulidade da sentença. Impugnação de facto

PROPRIEDADE. OCUPAÇÃO. CONTRATO DE COMODATO. USO DETERMINADO. DIREITO DE RETENÇÃO. ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA. NULIDADE DA SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO DE FACTO
APELAÇÃO Nº
2033/16.6T8CTB.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO
Data do Acordão: 24-04-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – C.BRANCO – JC CÍVEL – JUIZ
Legislação: ARTS.342, 350, 1135, 1137, 1263, 1264, 1268, 1311, 1318, 1323, 1324 CC, 574,608, 615, 640 CPC
Sumário: 

  1. A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, dá-se quando o tribunal não conhece de questões de que devia podia tomar conhecimento (arts. 615º, nº 1, d), 1ª parte, e 608º, nº 2, 1ª parte, do NCPC).
  2. Quando a lei, nos mencionados normativos processuais, se refere a questões está a querer dizer que o conhecimento do juiz deve abarcar todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções suscitadas, o que significa que o juiz só cometerá a indicada nulidade de omissão de pronúncia se não conhecer de causa de pedir invocada pelo A.
  3. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;
  4. Com a alteração da redacção do art. 490º do anterior CPC, introduzida pelo DL 329-A/95 (disposição similar ao actual art. 574º do NCPC), atenuou-se o rigor formal do ónus de impugnação especificada, sem que tal implique, todavia, que a parte esteja dispensada de tomar posição definida, clara, frontal e concludente sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária;
  5. Não tendo havido impugnação de factos substantivos alegados pelo A. na p.i., os mesmos têm-se por provados, por admissão, nos termos do art. 547º, nº 1 e 2, 1ª parte, do NCPC, pelo que, nos termos do art. 607º, nº 4, 2ª parte, do NCPC, aplicável ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo código, tais factos devem dar-se por provados, devendo, à sombra do art. 662º, nº 1, do mesmo diploma, a decisão proferida sobre a matéria de facto ser alterada pela Relação;
  6. O abandono previsto no art. 1318º do CC, como causa da aquisição da propriedade por ocupação, supõe que o dono afastou a coisa da sua disponibilidade natural, sendo necessário ainda que que haja intenção, por parte do proprietário, de demitir de si o direito que tem sobre ela (animus derelinquendi).
  7. Provado que alguém “encontrou” uma Torah no entulho, guardou-a na sua casa, exibiu o manuscrito a familiares, clientes, fornecedores e amigos, sem oposição de quem quer que seja e teve a posse de tal manuscrito durante mais de 20 anos, designadamente desde a data em que iniciou a profissão de servente da construção civil, tendo-o emprestado ao R. Município e terminou vendendo o mesmo, fica demonstrado a aquisição originária de tal pergaminho, através do instituto da usucapião, pelo que a aquisição derivada do comprador fica comprovada e legitimada.
  8. Face à presunção possessória constante do art. 1268º, nº 1, do CC, a favor do A., com base em constituto possessório, nos termos dos arts. 1263, c) e 1264º do CC, presunção não ilidida pelo R., conforme impõe o art. 350º, nº 1 e 2, do CC, é de julgar procedente o seu pedido de reconhecimento de propriedade.
  9. É da natureza do contrato de comodato, como seu elemento essencial, a obrigação de restituir a coisa, cuja entrega já é feita sob o signo da temporalidade, razão pela qual a ordem jurídica não tolera um comodato que deva subsistir indefinidamente, seja por falta de prazo, seja por ele ter sido associado a um uso genérico.
  10. No empréstimo “para uso determinado”, a determinação do uso, contém, ela mesma, a delimitação da necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, não sendo de considerar como determinado o uso de certa coisa se não se souber – nos casos em que o uso não vise a prática de actos concretos de execução isolada, mas de actos genéricos de execução continuada – por quanto tempo vai durar, caso em que se haverá como facultado por tempo indeterminado;
  11. Não se estipulando prazo, nem se delimitando a necessidade temporal que o comodato visa satisfazer, o comodante tem direito a exigir, em qualquer momento, a restituição da coisa, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 1137º do CC;
  12. Para o conceito de uso determinado é irrelevante a conservação da coisa, visto que é uma das obrigações do comodatário (art. 1135º, a), do CC);
  13. Se a exposição da Torah em eventos de valor arqueológico e cultural, por autorização do comodante, já se deu, o uso determinado já terminou; não sendo concebível subjacente a tal autorização uma outra perpétua para outras exposições que o R. Município organize ou em que participe.
  14. Quanto ao empréstimo para análise e estudo do manuscrito, pelo comodatário, das duas uma: se foram realizados, então o uso determinado terminou; se não foram efectivados, por inacção total do R., podemos de novo cair na perpetuidade do seu uso, entendimento que é de rejeitar, pois neste último caso cairíamos no uso determinado sem delimitação temporal, referido em x);
  15. As despesas de guarda e conservação da coisa comodatada porque inerentes ao cumprimento das obrigações do comodatário (art. 1135º, nº 1, a), do CC), não conferem direito de retenção a este. 

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