Processo especial de tutela da personalidade. Pressupostos. Requerente anteriormente declarado falido e reabilitado. “direito ao esquecimento” das dívidas. Deveres de prestação de informações por parte dos bancos

PROCESSO ESPECIAL DE TUTELA DA PERSONALIDADE. PRESSUPOSTOS. REQUERENTE ANTERIORMENTE DECLARADO FALIDO E REABILITADO. “DIREITO AO ESQUECIMENTO” DAS DÍVIDAS. DEVERES DE PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES POR PARTE DOS BANCOS

APELAÇÃO Nº 5777/22.0T8CBR.C3
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Data do Acórdão: 21-05-2024
Tribunal: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 67.º; 70.º, 1 E 335.º, DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 878.º A 880.º E 986.º, 2, DO CPC; ARTIGOS 148.º; 224.º; 238.º E 239.º, DO CPEREF; ARTIGOS 238.º, B); 239.º, 4 E 245.º, 2, DO CIRE; ARTIGOS 3.º; 17.º, 3 E 65.º, DO REGULAMENTO (UE) N.º 2016/679, DE 27 DE ABRIL, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO; ARTIGOS 7.º E 8.º DA CDUE; ARTIGO 12.º DA DUDH; ARTIGOS 26.º, 1, 2 E 4 E 35.º, 1, DA CRP; ARTIGO 3.º DO DL 204/2008, DE 14/10

 Sumário:

I – Constituem pressupostos do processo especial de tutela da personalidade, hoje previsto nos arts 857º a 880º CPC, a existência de ameaça à personalidade física e moral de pessoa física («ser humano», resultando, consequentemente, excluídas as pessoas colectivas), e a exigência de que essa ameaça seja ilícita e directa.
II – A circunstância do aqui Requerente, declarado falido há mais de vinte anos, ter sido reabilitado ao abrigo dos então arts 238º e 239º do CPEREF, porque o foi nos termos da al c) daquele art 238º, mantendo-se, por isso, devedor do aqui Banco Requerido, não lhe confere o “direito ao esquecimento” dessas dividas, como sucede, de algum modo, no CIRE, em função do instituto da exoneração do passivo restante, tanto mais que não está excluído que o Requerente, apesar de falido, não se pudesse ter apresentado à insolvência e ter beneficiado desse instituto.
III – Nos termos do art 17º/3 do Regulamento Geral (UE) n.º 2016/679, de 27 de Abril, do Parlamento Europeu e do Conselho, o direito ao esquecimento não prevalece, se, na ponderação de valores a que obriga, se vier a concluir que o prolongamento da conservação dos dados pessoais negativos em causa se revela necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica ou para o exercício de funções de interesse público.
IV – O banco Requerido, tal como os demais bancos, e como resulta do art 3º do DL 204/2008 de 14/10, está obrigado a fornecer à Central de Responsabilidades do BdP (CRC) elementos de informação respeitantes às responsabilidades efectivas ou potenciais decorrentes de operações de crédito concedido em Portugal, dever este a que reside um indiscutível interesse público.
V- Restrições como a recusa de abertura de conta bancária e a negação do recurso ao crédito para adquirir bens ou serviços ou a limitação na escolha do trabalho a desenvolver de acordo com as respectivas qualificações profissionais, contendem com um feixe alargado de direitos de índole pessoal que se mostram reconduzíveis à tipologia de direitos, liberdades e garantias, incidindo não apenas na capacidade civil, mas também no bom nome e reputação e nos direitos económicos, ligando-se à dignidade da pessoa humana e à própria liberdade individual.
VI – Não obstante, não é a acima referida conduta do Banco Requerido que afecta esses direitos, por isso não se podendo falar de ameaça direta, como é pressuposto do referido art 878º.
VII – Com o que, não há que ponderar se as referidas restrições à capacidade civil se devem ter por desproporcionais e excessivas relativamente à finalidade a atingir com a actuação do Requerido junto da CRC.

Consultar texto integral