Procedimento cautelar. Suspensão de deliberações sociais. Sociedade por quotas. Sócio. Pessoa coletiva. Representação. Mandatário. Assembleia geral. Cedência de quota. Quota não liberada. Sócio remisso. Deliberação anulável. Deliberação nula. Dano apreciá

PROCEDIMENTO CAUTELAR. SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS. SOCIEDADE POR QUOTAS. SÓCIO. PESSOA COLETIVA. REPRESENTAÇÃO. MANDATÁRIO. ASSEMBLEIA GERAL. CEDÊNCIA DE QUOTA. QUOTA NÃO LIBERADA. SÓCIO REMISSO. DELIBERAÇÃO ANULÁVEL. DELIBERAÇÃO NULA. DANO APRECIÁVEL
APELAÇÃO Nº
8510/18.7T8CBR.C1
Relator: BARATEIRO MARTINS
Data do Acordão: 02-04-2019
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO COMÉRCIO – JUIZ 3
Legislação: ARTS.369, Nº1, 380, 381 CPC, 56, 58, 203, 204, 205, 206, 212, 242, 248, 249,Nº5, 251, 252, 391, Nº7 CSC
Sumário:

  1. Nas sociedades por quotas, o direito de participar nas deliberações não tem de ser exercido pessoalmente pelos próprios sócios; porém, atenta a vertente personalista deste tipo societário, restringe-se fortemente o leque de possíveis representantes, como resulta do art. 249.º/5 do CSC, segundo o qual, na ausência de expressa previsão do contrato social, a escolha só pode recair sobre o cônjuge, ascendente, descendente ou outro sócio.
  2. Quando o sócio é uma pessoa colectiva, discute-se, na ausência de cláusula contratual, se tal sócio (que é pessoa colectiva) se pode fazer representar através dum terceiro/mandatário ou se se aplica, sem qualquer adaptação, a regra do art. 249.º/5 do CSC (restringindo a representação voluntária a outro sócio).
  3. Não é, porém, discutível/discutido que o contrato de sociedade possa dirimir a questão e que possa dizer que “os sócios podem livremente designar quem os representará nas assembleias gerais”, hipótese em que abre expressamente a representação dos sócios (sejam ou não pessoas colectivas) a pessoas totalmente alheias à sociedade.
  4. Assim como não é discutível, ainda que tal não conste dos respectivos estatutos, que a administração de tal sócio (pessoa colectiva) se possa fazer representar, “sem necessidade de cláusula contratual expressa”, por terceiros na tomada de deliberações (no seio de sociedades participadas), como resulta dos art. 252.º/6 e 391.º/7 do CSC.
  5. Impedir ilicitamente um sócio de participar numa AG constitui, só por si, um vício procedimental relevante e, por isso, causa de anulabilidade (nos termos do art 58.º/1/a) do CSC) das deliberações que em tal AG venham a ser tomadas, ou seja, ainda que se logre provar que as deliberações seriam idênticas (que passariam a chamada “prova de resistência”), nem por isso as mesmas deixariam de ser anuláveis.
  6. Quando é cedida uma quota, é cedida toda a relação entre o titular de tal participação social e a sociedade, pelo que, cedida uma quota não liberada, é o novo titular da quota (o cessionário) quem fica com a obrigação de pagar o valor da entrada em dinheiro ainda em falta.
  7. Sem prejuízo da cessão de quota (não liberada) não eximir o cedente de toda a responsabilidade pela não realização da quota (quando a cedeu), podendo vir a ser responsabilizado pela diferença entre a parte da entrada em dívida e o produto da venda da quota, porém, apenas em tais estritos termos existe tal responsabilidade, a qual, como resulta da economia dos arts. 204.º, 205.º e 206.º do CSC, só surge após a exclusão do sócio remisso e venda da respectiva quota.
  8. Deliberada a exclusão dum sócio com fundamento em ser “sócio remisso”, é tal deliberação de exclusão, caso não estejam reunidos os pressupostos do art. 204.º/1 do CSC, nula (cfr. art. 56.º/1/c) do CSC) por violar os preceitos imperativos do CSC que estabelecem os termos em que um sócio pode ser excluído.
  9. Só podem ser suspensas deliberações ainda não executadas, embora tal deva ser entendido em termos hábeis, ou seja, não se trata de impedir os órgãos sociais da sociedade dum qualquer acto de execução instantânea da deliberação em causa, mas sim de paralisar os efeitos jurídicos – não raras vezes, duradouros, persistentes e prolongados – que a deliberação em causa é susceptível de produzir.
  10. O “dano apreciável” causado pela execução da deliberação – o “periculum in mora” do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais – tem que ficar em concreto provado, não sendo a sua existência de presumir, porém, tal concreta prova pode/deve resultar da apreciação que o tribunal deve fazer da globalidade dos concretos factos que estão alegados/provados (e não tem necessariamente que ser extraível apenas de factos e comportamentos posteriores à data da deliberação).
  11. Sendo o “dano apreciável” a prevenir um dano futuro, tal acontece, só por si, pelos efeitos duma deliberação de exclusão de sócio, já que, quando alguém é excluído de sócio, não perde apenas e só a sua participação social, mas também tudo que isso significa e representa, em termos de efeitos jurídicos, estando o “dano apreciável” nos direitos sociais que se retiram ao sócio excluído, em ver-se afastado da vida da sociedade, não podendo participar e influir nas decisões (designadamente, não podendo opor-se à entrada de novos sócios), passando os restantes sócios a poder deliberar, da forma como bem entenderem, sobre o destino da sociedade.
  12. Sendo o sócio excluído de modo bastante irregular, deve considerar-se que é muito séria e forte a probabilidade de serem significativos os prejuízos decorrentes da perda de qualidade de sócio, ou seja, que se encontra preenchido o perigo do “dano apreciável”. 

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