Princípio in dubio pro reo. Convicção do julgador. Certeza. Dúvida razoável. Competência cautelar dos órgãos de polícia criminal. Declarações ao órgão de polícia criminal. Proibição de prova

PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. CONVICÇÃO DO JULGADOR. CERTEZA. DÚVIDA RAZOÁVEL. COMPETÊNCIA CAUTELAR DOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL. DECLARAÇÕES AO ÓRGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL. PROIBIÇÃO DE PROVA

RECURSO CRIMINAL Nº 48/20.9GBCTB.C1
Relator: JORGE JACOB, POR VENCIMENTO
Data do Acórdão: 22-02-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 2
Legislação: ARTIGOS 58.º, N.º 1, AL. D), N.º 6 E N.º 7, 129.º E 249.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Sumário:

I – A dúvida relevante para o estabelecimento de um non liquet probatório nada tem a ver com a possibilidade de formulação de uma distinta hipótese de desenvolvimento dos factos naturalísticos julgados provados.
II – A vertente negativa da convicção do julgador é constituída por uma dúvida metódica que reconhece a impossibilidade de concluir com segurança pela verificação de determinado facto quando, na apreciação crítica da prova, o julgador não encontra alicerces para afirmar o facto como provado, quando ocorre total ausência de prova, quando os meios de prova que apontam no sentido da verificação do facto não se apresentam como convincentes, ou ainda porque as premissas que permitiriam considerar como provado um concreto facto admitem coerentemente ter como verificados factos alternativos com igual grau de probabilidade, tudo gerando a impossibilidade ôntica de verificação do facto que, podendo ser verdadeiro, não está comprovado.
III – A certeza que leva à afirmação do facto não é uma certeza de carácter absoluto, contra todas as possibilidades, mas uma certeza lógica e racional, assente na prova, fundada num equilibrado sentido da vida e na normalidade das situações.
IV – É no equilíbrio entre o juízo de certeza respaldado na prova e a inconsistência de factos que não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal que é moldada a decisão penal em matéria de facto.
V – Não dispondo o tribunal superior da oralidade e imediação relativamente à prova o juízo de non liquet que formule, ao arrepio da decisão de primeira instância, só é admissível se, manifestamente, a prova produzida não comportar outra alternativa, não podendo interferir com a opção do tribunal recorrido se esta for uma solução verosímil, racionalmente explicitada, e com lastro na prova produzida.
VI – A competência cautelar dos órgãos de polícia criminal, do artigo 249.º do C.P.P., é uma actividade cautelar avulsa, não traduz uma actividade de inquérito, nem tem natureza processual, destina-se tão só à protecção e salvaguarda dos meios de prova de infracção de que tomaram conhecimento e está em total harmonia com o estabelecido no artigo 58.º, n.º 1, al. d), do C.P.P.
VII – A limitação estabelecida no n.º 6 do art. 58.º do C.P.P., implicando que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova, aplica-se exclusivamente às declarações prestadas após o momento em que se tornou claro que a pessoa em causa deveria ser constituída arguida, conclusão esta reforçada pelo disposto no n.º 7, já que as provas recolhidas em momento anterior, em que o arguido ainda não tinha nem devia ter o estatuto de arguido, estão validadas pela imposição de recolha cautelar de prova a que se reporta o artigo 249.º.
VIII – Nos termos desta norma é atendível, em sede de decisão, o relato feito pelo OPC em audiência narrando todas as afirmações feitas perante si pelo arguido até ao momento em que se torne evidente que o arguido terá que ser constituído como tal, o que só sucederá após este assumir a autoria do facto ou, não a assumindo, fizer afirmações que apontem já para a sua constituição como arguido.
IX – O relato feito pelo OPC em audiência, dando conta das afirmações do arguido, não traduz um conhecimento directo dos factos constitutivos do crime, mas na parte em que reproduz o que ouviu dizer ao arguido o seu depoimento é directo, por ter resultado da sua directa percepção e apreensão.

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