Princípio do contraditório. Homicídio por negligência. Linha da guia
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA. LINHA DA GUIA
RECURSO CRIMINAL Nº 168/19.2GTLRA.C1
Relator: ALICE SANTOS
Data do Acórdão: 08-02-2023
Tribunal: COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA
Legislação: ARTIGO 32º, Nº 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
ARTIGOS 15º, Nº 1, AL. B), E 137º, Nº 1, DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 13º, Nº 1, E 60º, Nº 1, AL. B), DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário:
I – O princípio do contraditório, com assento no art. 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, tem no moderno processo penal o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars (que seja ouvida, igualmente, a outra parte) e nemo potest inauditus damnari (ninguém deve ser condenado sem ser ouvido) e impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido, de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte e de influir na decisão através da sua audição pelo tribunal no decurso do processo.
II – O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem considerado o contraditório um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
III – O princípio tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido de que o acusado deve ter efectiva possibilidade de contestar as posições da acusação, com a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação àquela.
IV – No que respeita à produção das provas, o princípio exige que toda a prova deva ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial.
V – O tribunal, na medida do possível, deve estruturar um processo justo e igualitário de forma a que as partes não sejam surpreendidas com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração.
VI – Para se verificar o tipo de culpa inerente à negligência é necessário que o agente tenha omitido um dever de cuidado que, se tivesse sido acatado, teria impedido a produção de um evento danoso em si previsível.
VII – Existe previsibilidade quando o agente podia, nas circunstâncias em que se encontrava e tendo em conta as circunstâncias em que o evento se produziu, ter representado como possível o resultado ocorrido.
VIII – A negligência consiste, em qualquer das suas modalidades, na omissão de um dever objectivo de cuidado e de diligência: o dever de não confiar leviana ou precipitadamente na não produção do facto ou o dever de ter previsto tal facto e de ter tomado as diligências necessárias para o evitar.
IX – Em matéria de acidentes de viação a tarefa de delimitação do conteúdo do dever objectivo de cuidado está facilitada pela existência de regras da circulação rodoviária cuja infracção é indicadora da violação daquele dever.
X – As regras da experiência de vida, o princípio da normalidade, ensinam que na base das infracções das regras de trânsito está a conduta negligente do condutor do veículo.