Princípio do acusatório. Princípio in dubio pro reo. Perdimento de vantagens. Valor da vantagem obtida com o crime. Proibição da dupla valoração do mesmo facto

PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. PERDIMENTO DE VANTAGENS. VALOR DA VANTAGEM OBTIDA COM O CRIME. PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO DO MESMO FACTO

RECURSO CRIMINAL Nº 5/21.8GCCBR.C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 26-04-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE … – JUIZ …
Legislação: ARTIGO 29.º, N.º 5, E 32.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA … PORTUGUESA; ARTIGO 36.º, N.º 2, 4 E 5, DO D.L. N.º 15/93, DE 22 JANEIRO

Sumário:

I – A estrutura acusatória do nosso processo penal, consagrada no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da … Portuguesa, significa que é pela acusação que se define o objeto do processo (thema decidendum).
II – Todavia, as preocupações de justiça subjacentes ao processo penal levaram a que tal estrutura acusatória não tenha sido consagrada de forma absoluta, prevendo-se a possibilidade de alteração factual – não substancial e substancial – consagradas nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal, mas sempre no âmbito do conceito de identidade do facto processual/objecto do processo, dentro dos parâmetros estabelecidos pelos princípios da legalidade, da acusação e do princípio da proibição da rejormatio in pejus, limites inultrapassáveis de garantia da posição do arguido.
III – Pretender que, com base nas declarações prestadas, se julguem provadas as quantidades de haxixe vendidas pelo arguido, os montantes auferidos em resultado das transacções e os momentos e regularidade com que estas ocorreram, factos estes que não constavam da acusação, corresponderia à alteração do objecto da acusação.
IV – Em recurso, a demonstração da violação do princípio in dubio pro reo passa pela respectiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, ou seja, tem que resultar da fundamentação desta, de forma clara, que o juiz, embora tenha permanecido na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou que, sendo favorável ao agente, o considerou não provado.
V – A dúvida relevante para este efeito não é a dúvida que qualquer recorrente entenda que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
VI – Quando se prove quais os concretos proventos que os arguidos receberam resultantes da venda de produtos estupefacientes, deve ser este o valor declarado perdido, sendo irrelevante saber o que eles gastaram na aquisição desses produtos.
VII – No quadro legal do artigo 36.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, no caso em que seja declarada perdida uma quantia em dinheiro apreendida ao sujeito da infracção por constituir produto do crime e havendo, simultaneamente, que decidir a condenação do mesmo a pagar ao Estado o valor da vantagem patrimonial decorrente da prática dessa infracção, sem que se alegue ou demonstre que esta não está incluída naquela, consubstancia dupla valoração do mesmo facto condenar o sujeito da infracção no perdimento da quantia produto do crime que lhe foi apreendida e, também, na perda do valor da vantagem patrimonial decorrente da prática desse crime, por o fundamento resultar do mesmo comportamento atribuído à mesma pessoa.
VIII – A proibição da dupla valoração do mesmo facto resulta da extensão da proibição constante do n.º 5 do art. 29.º da Constituição da … Portuguesa

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