Princípio da aquisição da prova. Princípio da investigação. In dubio pro reo. Ameaça. Tipo objectivo. Anúncio de mal futuro depedente da vontade do agente. Mero aviso

PRINCÍPIO DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. AMEAÇA. TIPO OBJECTIVO. ANÚNCIO DE MAL FUTURO  DEPEDENTE DA VONTADE DO AGENTE. MERO AVISO

RECURSO CRIMINAL Nº  1485/19.7PBVIS.C1
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 14-09-2022
Tribunal: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J1)
Legislação: ART. 32.º DA CRP; ART. 153.º DO CP

Sumário:

I. Em processo penal não existe um verdadeiro ónus probatório em sentido formal, vigorando o princípio da aquisição da prova articulado com o princípio da investigação: são boas as provas validamente trazidas ao processo, sem interessar a sua origem, recaindo sobre o juiz, em última hipótese, o encargo de investigar e esclarecer oficiosamente os factos em busca da verdade material.
II. Quanto ao ónus da prova em sentido material, o princípio de presunção da inocência do arguido impõe que, em caso de dúvida irremovível, a questão seja sempre decidida a favor do arguido e que da falta de prova não podem resultar consequências desfavoráveis para ele, qualquer que seja o thema probandum.
III. São três as características essenciais do conceito AMEAÇA expresso no tipo do artigo 153º do Código Penal: a) – mal; b) – futuro (não existirá ameaça futura quando, terminado o filme do nosso processo e a história de vida contida nos nossos autos, deixar de haver futuro para aquela ameaça concreta, não sendo ela passível de vir a ser consumada na medida em que se esgotou no momento presente – o mal não pode ser de execução imediata mas ser antes de execução futura); c) – cuja ocorrência dependa da vontade do agente (ou apareça como dependente da vontade do agente).
IV. Se a conduta do destinatário, que se visa condicionar pela ameaça, é uma conduta inteiramente legítima, que qualquer cidadão tem o direito de adoptar livremente, consideramos inadequado dizer-se que o destinatário, como tinha a escolha de evitar tal conduta, não foi ameaçado.
V. Independentemente de ser condicional ou não, o que é determinante é a possibilidade do “anúncio” que é transmitido pela ameaça provoque ou seja susceptível de provocar na pessoa a que se dirige receio, medo ou inquietação que afecte ou prejudique a sua liberdade de determinação e acção.
VI. Por conseguinte, nas situações em que a conduta do visado condicionante da concretização do mal futuro é uma conduta inteiramente legítima e normal na vida em sociedade, a que qualquer cidadão tem direito, não nos parece correcto afirmar que está salvaguardada a liberdade de decisão e de acção desse visado porque sempre poderá evitar o mal, abstendo-se de tal conduta.
VII. Não estamos perante um mero aviso quando a verificação do mal futuro anunciado está dependente da vontade do arguido, na medida em que a ele cabe, a cada momento, formular um juízo de valoração sobre o comportamento da pessoa a quem as expressões em causa foram dirigidas.
VIII. O gesto de passar a mão pelo pescoço numa trajectória perpendicular, simulando uma acção de corte da garganta, após a verbalização de um «faço-te isto», constitui acto comunicacional com um sentido universal, de anúncio de morte futura do visado por acção de quem faz o gesto, pois a secção daquele órgão tem consequências quase sempre fatais, o que, por si só, justifica a agravação desta ameaça.

(Sumário elaborado pelo Relator)

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