Posse. Constituto possessório. Enriquecimento sem causa
POSSE. CONSTITUTO POSSESSÓRIO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
APELAÇÃO Nº 1485/14.3TBLRA.C1
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acordão: 09-01-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JC CÍVEL – JUIZ 2
Legislação: ARTS.342, 473, 1252, 1264, 1268, 1311 CC
Sumário:
- O art.1264º do C.Civil ao dispor que «se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa» consagra legalmente a figura do constituto possessório que, como é sabido, é uma forma de aquisição solo consensu de posse, isto é, uma aquisição sem necessidade de um acto material ou simbólico que a revele.
- Se o proprietário, que habitava uma fracção habitacional, por contrato de compra e venda titulado por escritura pública, tiver vendido a mesma, mas continuado a residir nela com consentimento e autorização dos adquirentes, o que resulta é que aquele perdeu a posse, por ausência do elemento intencional (solo animo), pois que, de sujeito da posse, se converteu em detentor.
- Na verdade, verificou-se aqui a figura dogmática do referido constituto possessório, na medida em que a entrega da coisa objeto de um contrato de compra e venda ou a investidura do comprador na sua posse efectiva não ocorre só pela tradição material ou simbólica da mesma, pois que esta investidura pode fazer-se também através do constituto possessório.
- A falta originária ou subsequente da causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito, pelo que, a simples prova da obtenção de uma vantagem patrimonial não pode servir de fundamento para pedir a sua restituição, cabendo antes ao autor do pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da prova dos respetivos factos integradores ou constitutivos, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, mesmo em caso de dúvida, cujo incumprimento se resolve em seu desfavor.
- Assim, quando a ação de enriquecimento sem causa se funda na circunstância de ter ocorrido uma poupança de despesas pelos demandados, o demandante (empobrecido) precisava de demonstrar que não existia qualquer causa para tanto.
- As regras e/ou os princípios do nosso sistema jurídico associam a fruição/ocupação de uma habitação ou ao pagamento monetário correspetivo por quem beneficia de tal situação (geralmente uma renda mensal), ou a quaisquer contrapartidas ao proprietário, por essa ocupação/fruição, por parte de quem ocupa/frui.
- Existindo na circunstância uma natural ou presumida causa para a deslocação patrimonial ocorrida (pagamento dos encargos do imóvel, mais concretamente do imposto municipal, do condomínio e dos seguros pelo R.), qual seja, “compensar” os aqui AA. pela ocupação/fruição da fracção que teve lugar, divisa-se uma justificação para a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, está legitimado o enriquecimento, improcedendo a pretensão restitutória com base no instituto do enriquecimento sem causa.