Ofensa à integridade física. Dever de correção. Suspensão provisória do processo em julgamento

OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA. DEVER DE CORREÇÃO. SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO EM JULGAMENTO

RECURSO CRIMINAL Nº 89/22.1GBALD.C1
Relator: PEDRO LIMA
Data do Acórdão: 20-03-2024
Tribunal: GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE ALMEIDA)
Legislação: ARTS. 143º, N.º 1, 31º, N.º 1, AL. B), DO CÓDIGO PENAL; 1878º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL; 281º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

 Sumário:

I – Mesmo a ter-se tido como provado que a ofendida, filha do arguido, lhe tivesse dirigido as expressões grosseira e ofensivas que este alega, o agredi-la ele e em retaliação fisicamente, com bofetada na cara, nem deixa de integrar o tipo-de crime de ofensas à integridade física (art. 143.º/1, do CP), nem a consequente punição poderia afastar-se com suposta exclusão da ilicitude da acção, a pretexto de com aquela agressão o arguido estar afinal, e nos termos e para os efeitos do art. 31.º/1/2-b-c, do CP, exercer um direito ou cumprir um dever legal, designadamente o poder/dever de correcção dos filhos.
II – A inclusão, no exercício desse poder/dever, de castigos físicos, é algo em que, a conceder-se, teria sempre de ficar subordinada a uma estrita proporcionalidade entre o concreto castigo aplicado pelo progenitor e a falta do filho, a uma rigorosa adequação dele para lograr essa correcção ou quando menos contenção, e, em especial, uma inescapável necessidade dele para isso – o que não se vê como afirmar quando se trate por um lado de palavras grosseiras (aliás proferidas em contexto de viva discussão), e por outro do atingir da integridade física do filho.
III – E sobre isso, uma tal via de exclusão da ilicitude do facto torna-se particularmente insustentável quando sucede que à data da comissão dele a ofendida era já maior e, como tal subtraída ao poder/dever de correcção do pai e senhora da regência da sua pessoa, nos termos dos art. 1877.º e 130.º, do CC.
IV – Naturalmente que a existirem, essas prévias ofensas, em si mesmas um ilícito, e mesmo criminal (art. 181.º/1, do CP), emprestando relevante compreensibilidade à indevida reação, sempre teriam significativo peso como factor que, em sede de escolha e medida da pena, militasse em favor do arguido – mas o que não permitiriam, nos termos dos art. 143.º/3-a-b, e 74.º/1-a-b-c/3, do CP, e por manifesta falta dos estritos pressupostos respectivos como nessas normas enunciados, era dar lugar à pretendida dispensa de pena.
V – A circunstância de em fase de julgamento a lei não contemplar a possibilidade de suspensão provisória do processo, como aliás o impõe o respeito pelo princípio da acusatoriedade do processo, não importa desigualdade constitucionalmente censurável entre os arguidos em processo que por a ela chegar fiquem privados desse mecanismo, e os que dele puderam beneficiar em fase de inquérito ou instrução, únicas em que com efeito está previsto (art. 281.º/ e 307.º/2, do CPP).
VI – Essa inadmissibilidade de suspensão provisória do processo em fase de julgamento, na qual ao juiz está atribuída já somente a função de julgar, e não mais a de submeter ou não a causa a julgamento (como em instrução sucede), não sofre excepção por força de alteração, em julgamento, da qualificação jurídica dos factos que fora feita em acusação e subsequente pronúncia, degradando-a de um crime que naquelas fases e pela sua gravidade a tivesse porventura liminarmente impedido, para um que em abstracto a pudesse ter nelas consentido – e menos quando em todo o caso sempre ao longo do processo a ofendida, constituída assistente, tenha manifestado com essa hipótese discordância, inclusivamente deduzindo acusação particular.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Consultar texto integral