Obrigações. Liquidação em prestações. Falta de pagamento de alguma prestação. Vencimento das prestações em falta. Interpretação do artº 781º CC. Fiança

OBRIGAÇÕES. LIQUIDAÇÃO EM PRESTAÇÕES. FALTA DE PAGAMENTO DE ALGUMA PRESTAÇÃO. VENCIMENTO DAS PRESTAÇÕES EM FALTA. INTERPRETAÇÃO DO ARTº 781º CC. FIANÇA
APELAÇÃO Nº 2417/16.0T8VIS-B.C1
Relator: SÍLVIA PIRES
Data do Acordão: 14-09-2020
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU – JUIZ 2
Legislação: ARTº 781º C. CIVIL.
Sumário:

  1. Em regra, nas obrigações cujo cumprimento foi aprazado, o credor só pode exigi-lo após esse prazo ter decorrido.
  2. Contudo, o art.º 781º do C. Civil estabelece como exceção que se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, como é o caso, a falta de realização atempada de uma delas importa o vencimento de todas, mesmo que o prazo para o seu cumprimento ainda não tivesse decorrido.
  3. Apesar da sua literalidade – artº 781º do CCiv. – apontar para um vencimento automático ipso iure de todas as prestações quando não são pagas algumas das prestações já vencidas, não foi essa a intenção do legislador ao proceder à alteração resultante da 2.ª revisão ministerial.
  4. No art.º 781º do C. Civil não se consagra um vencimento automático das prestações ainda não vencidas, apenas se admite a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, deixando o devedor de beneficiar do prazo que se encontrava estabelecido para a sua satisfação.
  5. Radicando a ratio da excepcionalidade consagrada do art.º 781º do C. Civil, sobretudo, na quebra da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fraccionado no tempo, provocada pelo incumprimento parcial do pagamento de algumas dessas prestações, justifica-se que o vencimento das demais prestações fique dependente da avaliação que o credor faz da capacidade económica do devedor e da sua vontade em satisfazer as restantes prestações, podendo, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.
  6. É esta interpretação correctiva da letra do art.º 781º do C. Civil que é feita, quase unanimemente, pela doutrina e pela jurisprudência.
  7. O credor deve manifestar a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações através da interpelação do devedor para as satisfazer, tal como sucede nas obrigações puras, de acordo com o disposto no art.º 805º, n.º 1, do C. Civil.
  8. A interpelação do devedor para pagamento pode ser feita extrajudicialmente, através de qualquer dos meios que a lei prevê para a emissão das declarações negociais, ou judicialmente, conforme admite o próprio art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil, designadamente através do acto de citação para os termos da ação (art.º 610º, n.º 2, b), do C. P. Civil) ou da execução (art.º 551º, n.º 1, do C. P. Civil), onde se reclame o pagamento dessas prestações.
  9. Nos casos em que a interpelação é feita extrajudicialmente, seguida da propositura de ação executiva, deve o título executivo ser composto pelo título constitutivo da obrigação e pela declaração interpelativa.
  10. Nas hipóteses em que a interpelação seja efectuada através do próprio acto de citação na ação executiva, deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida, sendo aplicável, por identidade de razão, a imposição da forma de processo executivo ordinária, nos termos do art.º 550.º, n.º 3, a), do C. P. Civil, apenas podendo ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida.
  11. Se o art.º 781º permite exigir do devedor a totalidade da dívida, quando é incumprido o pagamento de uma das prestações, o art.º seguinte (782º) esclarece que essa perda do benefício do prazo já não se estende aos terceiros que a favor do crédito tenham constituído qualquer garantia, designadamente prestando uma fiança.
  12. Isto significa que, verificada a falta de pagamento de uma das prestações, se o credor pode exigir do devedor o pagamento da totalidade da dívida, o mesmo já não pode exigir dos fiadores.

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