Negligência. Definição. Incremento do risco proibido

NEGLIGÊNCIA. DEFINIÇÃO. INCREMENTO DO RISCO PROIBIDO
RECURSO CRIMINAL Nº
58/16.0PTCBR.C1
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acordão: 09-10-2019
Tribunal: COMARCA DE COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J2)
Legislação: ART.ºS 15.º E 137.º, N.º 1, DO CP
Sumário:

  1. No proémio do art.º 15.º do CP, a negligência é definida, de modo unitário, prevendo o tipo de ilícito – a violação do cuidado a que o agente, segundo as circunstâncias, está obrigado portanto, a violação do cuidado objectivamente devido – e o tipo de culpa – a violação do cuidado que o agente, de acordo com os seus conhecimentos e capacidades pessoais, está em condições de observar.
  2. Assim, no caso do crime de homicídio por negligência, p.p. pelo art.º 137.º do CP, o tipo de ilícito fica preenchido sempre que uma conduta diverge da que era objectivamente devida numa situação de perigo para a vida humana, por forma a evitar a violação deste bem que, por causa daquela divergência, vem a ser efectivamente lesado. Já o tipo de culpa fica preenchido quando aquele dever de cuidado objectivamente devido – previsível, evitável e inobservado – podia também ter sido cumprido pelo agente concreto, de acordo com as suas capacidades, inteligência, experiência de vida e posição social.
  3. Existe “autoria paralela” quando vários agentes participam na realização do facto ou na produção do resultado típico com independência uns dos outros. Não se trata, como é óbvio, de uma verdadeira forma de comparticipação, mas de duas autorias que correm, digamos assim, uma ao lado da outra, sem nunca se tocarem.
  4. Aos crimes negligentes não é aplicável o critério do domínio do facto para a determinação da comparticipação, sendo adoptada uma concepção unitária de autoria para a qual é autor aquele (todo aquele) que, com a sua actuação violadora do cuidado imposto, cria ou potencia um perigo proibido que se concretiza no resultado (na realização) típico. Por isso, nos crimes desta natureza, havendo co-actuação por negligente, apenas poderá falar-se em ‘autoria paralela’.
  5. Inferindo-se da factualidade provada que o peão atravessou a via fora da passadeira, mesmo que se admita que o fez em contravenção ao disposto no art.º 101.º, n.º 3 do C. da Estrada [como vimos, não foi apurada a distância que medeia entre o local da travessia e a passadeira existente junto aos semáforos referidos], estando também provado que o fez [o atravessamento da via] aproveitando a sinalização verde para peões, e vermelha para o recorrente, dos semáforos em referência, o cometimento desta infracção não foi causal do acidente.
  6. Acrescendo, face à dinâmica do acidente, que se o recorrente exercesse a condução de forma medianamente atenta, como lhe era imposto pelo art.º 11.º, n.º 2 do C. da Estrada bem como, pelo dever geral de cuidado que recaí sobre todo e qualquer condutor (e aqui cabe mencionar que, nos termos do art.º 1.º, q) do C. da Estrada, os peões são utilizadores vulneráveis das vias públicas), com toda a probabilidade ter-se-ia apercebido da presença do peão designadamente, tê-lo-ia avistado a, pelo menos, 50 m de distância o que era mais do que suficiente, para num tempo médio de reacção, o ter evitado ora abrandando, ora travando, ora dele se desviando, impõe-se concluir que se o recorrente tivesse observado a norma de cuidado a que estava sujeito, muito provavelmente, teria evitado o embate e o resultado morte não se verificaria pelo que, foi ele o incrementador do risco proibido para o bem tutelado. 

Consultar texto integral

Boots