Ne bis in idem. Objecto do processo. Acusação
NE BIS IN IDEM. OBJECTO DO PROCESSO. ACUSAÇÃO
RECURSO CRIMINAL Nº 122/20.1GCCLD.C1
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Data do Acórdão: 22-03-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – JUIZ 1
Legislação: ARTIGO 29.º, N.º 5, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA
Sumário:
I – O ne bis in idem tem por finalidade obstar a uma dupla submissão de um indivíduo a julgamento por um determinado acontecimento histórico, um facto naturalístico concreto ou um pedaço de vida já objeto de sentença ou decisão que se lhe equipare, independentemente do nomem iuris que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado.
II – Para este efeito o crime considera-se o mesmo quando exista uma parte comum entre o facto histórico julgado e o facto histórico a julgar e que ambos os factos tenham como objecto o mesmo bem jurídico ou formem, como acção que se integra na outra, um todo do ponto de vista jurídico.
III – Apesar de a Constituição da República Portuguesa apenas proibir expressamente o duplo julgamento pelo mesmo facto – ne bis in idem na vertente processual -, a proibição abrange ainda a aplicação de novas sanções penais pela prática do mesmo crime – ne bis in idem na vertente penal -, daqui resultando que o princípio tem o duplo sentido de proibição de duplo julgamento de uma infracção penal e de proibição de dupla punição.
IV – O objecto de cada processo penal é definido na acusação respectiva, pela narração de factos que dela consta, ou seja, pelos vários factos singulares que formam, quando aglutinados, o pedaço de vida em que se traduz o facto processual objecto que deverá manter-se, tendencialmente, inalterado, até ao trânsito da sentença que a tenha apreciado.
V – Do conceito de objecto do processo resulta que se na primeira acusação o Ministério Público não imputou ao arguido a pertinente factualidade integradora de determinado crime, se o Ministério Público lhe imputar essa factualidade numa subsequente acusação o tribunal tem que a conhecer, estando-lhe vedada a possibilidade de sindicar que a oportunidade dessa imputação podia ter sido feita naquela primeira acusação.