Homicídio por negligência. Negligência grosseira

HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA. NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA. CONCURSO EFECTIVO ENTRE CRIME E CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO PENAL Nº
746/05
Relator: DR. BELMIRO DE ANDRADE 
Data do Acordão: 04-05-2005
Tribunal: FIGUEIRA DA FOZ – 1º JUÍZO
Legislação: ARTIGOS 30º E 137º, N.º 2, DO CÓDIGO PENAL E 32º, DO REGIME GERAL DA CONTRA-ORDENAÇÕES E COIMAS
Sumário:

  1. Não sendo definido, de forma expressa, pelo legislador, o conceito de negligência grosseira, entende-se que constitui uma forma qualificada de negligência, ligando-se à ideia de «culpa temerária», particularmente censurável, em que a culpa é agravada pelo elevado grau de imprevisão, de falta de cuidados elementares que importam grave desrespeito do dever de representação ou da justa representação da possibilidade de ocorrência do resultado proibido. Ao nível da ilicitude, pressupondo um comportamento particularmente perigoso e um resultado de verificação altamente provável à luz da conduta adoptada. E ao nível da culpa, revelando uma atitude particularmente censurável de leviandade ou de descuido perante o comando jurídico-penal. Podendo tomar-se como critério de referência, ao nível da ilicitude, a natureza da norma violada (v.gr. actuação que integre outro crime, contra-ordenações graves ou muito graves) ou a quantidade de normas violadas.
  2. Não pratica o crime de homicídio com negligência grosseira a condutora em relação à qual apenas se provou que entrou numa curva a velocidade não concretamente apurada, ainda que superior ao limite estabelecido para o local em 10 km./h, não adequando a velocidade ao trânsito que seguia à sua frente, iniciando uma travagem no decurso da qual foi colidir na traseira de um velocípede, já no fim da curva.
  3. Existe concurso efectivo entre o crime e a contra-ordenação, uma vez que aquele não esgota o significado, efeito, ou ilicitude da contra-ordenação, por forma a que possa entender-se que a consome, na mediada em que a contra-ordenação visa a protecção do perigo abstracto de uma série de indeterminada de bens jurídicos. Sendo a arguida condenada por ter causado a morte de outrem por falta de atenção e diligência que se lhe impunha e de que era capaz e não tendo o excesso de velocidade relevado para efeito de qualificação da negligência grosseira, a punição autónoma pela contra-ordenação não viola a proibição da dupla valoração do mesmo facto ou princípio ne bis in idem.

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