Homicídio negligente. Matéria de facto. Prova indirecta

HOMICÍDIO NEGLIGENTE. RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO. PROVA INDIRECTA. LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. VIOLAÇÃO DO DEVER OBJECTIVO DE CUIDADO
RECURSO PENAL Nº
219/05.8GBPCV.C1
Relator: DR. MOURAZ LOPES 
Data do Acordão: 25-11-2009
Tribunal: PENACOVA
Legislação: ARTIGOS 32ºDA CRP;15º,137º DO CP , 127º DO CPP 24º E 25ºDO CE
Sumário:

  1. O reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
  2. A prova indirecta, sendo um meio de prova absolutamente legítimo, pode ser livremente utilizada e valorada pelo Tribunal, em todas as circunstâncias que entender como útil à sua utilização, assumindo relevância especifica em circunstâncias de défice da prova directa, seja por virtude de inexistência, seja pela sua debilidade valorativa.
  3. Na valoração individual da prova examina-se a fiabilidade de cada uma das provas em concreto reconhecendo-se que toda a prova, antes de provar deve ser provada. No decurso do processo analítico efectuado não pode prescindir-se da perspectiva conjunta do modo como cada uma das provas é integrada no quadro probatório global. Se cada um dos elementos de prova tem de exigir uma disponibilidade para ser avaliado como se realmente «tivesse sido o único disponível», a articulação das provas entre si e a sua avaliação conjunta permitem o conhecimento global dos factos que, por sua vez se irá reflectir no resultado da totalidade da prova atendível, sendo por isso reciprocamente necessários os dois momentos de valoração.
  4. No caso, da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal.
  5. Com o princípio da livre apreciação da prova, vinculado ao princípio da descoberta da verdade material – contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova – possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão. Mas uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação.
  6. O Código da Estrada e o seu regulamento fixam a margem de risco permitida na condução e sobre a qual deve a ordem jurídica efectuar o juízo sobre o dever objectivo de cuidado que os condutores devem ter.
  7. No caso, o dever de adequar a velocidade às circunstâncias da via molhada e enlameada foi efectivamente desprezado pelo comportamento do arguido na sua condução, daí tendo originado o despiste do veículo e as consequências trágicas que dele resultaram.

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