Metadados. Declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Acórdão do tribunal constitucional n.º 268/2022 de 19 de abril. Conservação de dados. Dados de base. Dados de tráfego. Prova proibida. Ascendi. Via verde. Brisa. Pena concreta

METADADOS. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 268/2022 DE 19 DE ABRIL. CONSERVAÇÃO DE DADOS. DADOS DE BASE. DADOS DE TRÁFEGO. PROVA PROIBIDA. ASCENDI. VIA VERDE. BRISA. PENA CONCRETA

RECURSO CRIMINAL Nº 13/20.6PEVIS.C1
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Data do Acórdão: 27-09-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE CENTRAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2
Legislação: ARTIGOS 4.º, 6.º E 9.º DA LEI N.º 32/2008, DE 17 DE JULHO/CONSERVAÇAO DE DADOS GERADOR OU TRATADOS NO CONTEXTO OFERTA DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS; ARTIGOS 141.º, N.º 4, ALÍNEA E), 187.º A 189.º E 269.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.; ARTIGO 6.º, N.º 7, DA LEI N.º 41/2004, DE 18 DE AGOSTO/PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS E PRIVACIDADE NAS TELECOMUNICAÇÕES; LEI N.º 109/2009, DE 15 DE SETEMBRO/LEI DO CIBERCRIME; ARTIGO 40.º DO CÓDIGO PENAL

 Sumário:

I – Os dados de base são os que respeitam ao acesso à rede e permitem identificar o utilizador do equipamento (endereços de protocolos de IP, identidade civil do titular, números de telefone e endereços de correio eletrónico), e os dados de tráfego são os que revelam circunstâncias das comunicações, como a localização dos intervenientes na comunicação, duração, data, hora das comunicações interpessoais, mas também os que não pressupõem uma comunicação interpessoal.
II – No acórdão n.º 268/2022, de 19 de Abril, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, violar o princípio constitucional da proporcionalidade na restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada, ao sigilo nas comunicações, ao livre desenvolvimento da personalidade, à autodeterminação informativa e à tutela jurisdicional efetiva a recolha, o registo, conservação e acesso de dados pessoais, de tráfego e localização em relação a todos os assinantes e utilizadores registados nas empresas fornecedoras de serviços de comunicações eletrónicas, de modo generalizado e indiferenciado e em relação a todos os meios de comunicação eletrónica, durante um e para fins criminais, nos termos previstos nos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho.
III – Idêntica censura mereceu a ausência de notificação ao visado de que os seus dados tinham sido acedidos, devido ao entendimento de que o direito à autodeterminação informativa e a uma tutela jurisdicional efetiva ficariam comprimidos de forma desproporcionada.
IV – O Tribunal Constitucional entende que a conservação dos dados de base, enquanto medida restritiva dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa, respeita o princípio da proporcionalidade, uma vez que apenas identificam os utilizadores do meio de comunicação e não pressupõem a análise de qualquer comunicação.
V – No acórdão n.º 268/2022, de 19 de Abril, o Tribunal Constitucional não fiscalizou, nem censurou outras normas, para além das dos artigos 4.º, 6.º e 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, nem outros diplomas legais, não tendo, por isso, a declaração de inconstitucionalidade dele emanada a virtualidade de abranger toda e qualquer prova obtida por meios digitais.
VI – O Tribunal Constitucional não entendeu estarem feridas de inconstitucionalidade as normas do C.P.P. que preveem a possibilidade de obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou registos de realização de conversações ou comunicações quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º, nem afastou a possibilidade de conservação de dados ao abrigo de outros diplomas, por exemplo para fins contratuais, de que é exemplo a Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto, que prevê a conservação de dados de tráfego por um período de 6 meses.
VII – São válidas as provas obtidas a partir de dados guardados pelas operadoras respeitando os limites impostos legalmente pelas leis que se mantêm em vigor e que continuam a prever a possibilidade de obtenção, guarda e transmissão de tais dados.
VIII – Informações da Ascendi, de onde se retire a hora e local de passagem de determinados veículos em autoestradas nacionais, informações da Via Verde, de onde se retire a existência ou inexistência de registos relativamente a determinadas viaturas, e da Brisa, dando conta de uma cessão de posição contratual num contrato de concessão outorgado pelo Estado e do não tratamento de dados solicitados, informações bancárias, aditamentos a autos de notícia elaborados na sequência de observação directa de agentes da autoridade, não colidem com a declaração de inconstitucionalidade em causa, porque não são dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma comunicação, nem são abarcadas pelas considerações que fundamentaram o juízo de inconstitucionalidade.
IX – Prova proibida não significa necessariamente valoração proibida. Se tiver sido usada prova proibida e ela tiver sido a única prova na qual se baseou a condenação restará revogar a decisão e absolver do imputado crime; se a prova proibida tiver sido arredada da fundamentação da decisão, impor-se-á, se outras razões não existirem, a confirmação da decisão; se a prova proibida tiver concorrido com outras provas haverá que saber qual a contribuição dos meios sobrantes e legítimos de prova para a condenação.
X – A determinação da pena concreta é a operação que resume o julgamento ocorrido, deve reflectir o que se pretende com a pena e dirige-se tanto ao arguido como à sociedade, devido ao papel de fomentadores da paz social que os tribunais devem desempenhar.

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