Metadados. Dados de base. Dados de tráfego. Dados de conteúdo. Dados de localização celular. Obtenção de dados de localização. Obtenção de facturação detalhada
METADADOS. DADOS DE BASE. DADOS DE TRÁFEGO. DADOS DE CONTEÚDO. DADOS DE LOCALIZAÇÃO CELULAR. OBTENÇÃO DE DADOS DE LOCALIZAÇÃO. OBTENÇÃO DE FACTURAÇÃO DETALHADA.OBTENÇÃO DE DADOS DE LOCALIZAÇÃO. OBTENÇÃO DE FACTURAÇÃO DETALHADA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL DAS NORMAS A QUE SE REPORTA O AC. DO TC N.º 268/2022
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 187.º E 189.º DO CPP DA LEI 32/2008 DE 17-07 DA LEI 109/2009 DE 15-09 E DA LEI 41/2004 DE 18-08
RECURSO CRIMINAL Nº 538/22.9JALRA.C1
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 12-10-2022
Tribunal: LEIRIA (JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1)
Legislação: LEI N.º 32/2008, DE 17-07; ARTIGOS 187.º, N.ºS 1 E 4, E 189.º, N.º 2, DO CPP; LEI 109/2009, DE 15-09; LEI 41/2004, DE 18-08
Sumário:
I – «Metadados» são dados referentes ao tráfego das comunicações electrónicas e de localização, bem como os dados conexos necessários para identificar o assinante e/ou utilizador, permitindo determinar todos os dados atinentes àquela forma de comunicabilidade, com excepção do seu teor ou conteúdo, onde se incluem as informações de localização, de identificação de fonte e destino, data, hora, duração da comunicação, tipo de comunicação e o equipamento utilizado.
II – Os serviços de telecomunicações compreendem, fundamentalmente, os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo.
III – Os dados de base são os dados respeitantes à conexão à rede, ou seja, são os dados através dos quais o utilizador da rede de telecomunicações tem acesso à ligação.
IV – Os dados de tráfego correspondem aos dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede.
V – Por último, os dados de conteúdo são os dados alusivos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem.
VI – Os dados de localização, inseridos no âmbito dos dados de tráfego, são os dados tratados numa rede de comunicações electrónicas que indicam a posição geográfica do equipamento terminal de um assistente ou de qualquer utilizador de um serviço de comunicações electrónicas acessíveis ao público.
VII– Só cabem dentro dos dados de localização os autênticos dados de comunicação ou de tráfego, i.e., aqueles que se reportam a comunicações efectivamente realizadas ou tentadas/falhadas entre pessoas.
VIII – O regime estabelecido pela Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, aplica-se à obtenção de dados correspondentes a comunicações já ocorridas e que se encontram preservados ou conservados.
IX – Tratando-se de obter prova por “localização celular conservada”, isto é, concernente aos dados previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma, regime que, sendo especial, se sobrepõe ao de carácter geral instituído pelos artigos 12.º a 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro – Lei do Cibercrime –, a qual, de resto, expressamente ressalva, no artigo 11.º, n.º 2, que as suas disposições processuais não prejudicam o regime do outro corpo de normas referido.
X – Já o artigo 189.º, n.º 2, do CPP, com a extenção do regime das escutas telefónicas nele consagrada, remetendo para os requisitos de admissibilidade fixados no artigo 187.º, n.ºs 1 e 4 do mesmo diploma, tem em vista os dados recolhidos em tempo real.
XI – Por sua vez, a aplicação da Lei 41/2004, de 18 de Agosto, limita-se à protecção contratual, no contexto das relações estabelecidas entre as empresas fornecedoras de serviços de comunicações electrónicas e os seus clientes, não sendo lícito recorrer a ela para efeitos de investigação criminal.
XII – Mesmo a considerar-se aplicável este diploma, à luz do artigo 6.º, n.º 2, ele não permitiria o pedido de dados de localização.
XIII – A declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas a que se reporta o recente Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, tendo por base a consideração de que as mesmas permitiam lesão desproporcionada da reserva da intimidade e da vida privada dos cidadãos, veda o acesso aos dados não permitidos com recurso à Lei 32/2008; de outro modo, a declaração de inconstitucionalidade permitiria o efeito contrário àquele que definiu.
IVX – Não existindo qualquer identidade formal ou material entre a previsão legal do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 32/2008 e o catálogo de crimes delineado no artigo 187.º, n.º 1 e 189.º, do CPP – com a “virtual” excepção da alínea b) do n.º 1 do artigo 187.º –, não há revogação do segundo pelo primeiro dos dois regimes.
XV – Se assim é, não se tem de aplicar, por repristinação, nenhuma norma do CPP.
XVI – “Caída” a Lei 32/2008, e na impossibilidade de aplicação do CPP e da Lei 41/2004, recorrer, na questão da localização celular, às normas da Lei 109/2009 seria seguir um caminho espúrio, face à enunciada declaração de inconstitucionalidade e aos fundamentos que a determinaram.
XVII – O que significa que no caso específico de obtenção por localização celular conservada, isto é, a obtenção dos dados previstos no artigo 4.º, n.º 1, da Lei 32/2008, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3.º e 9.º deste diploma (para estes casos ganhando relevo o conceito de «crime grave», já que nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ainda do mesmo compêndio legislativo, a obtenção de prova da localização celular conservada só é prevista para crimes que caibam nesse conceito) – desaparecendo a especialidade, não é consentido recorrer à generalidade e permitir localização celular para além desses crimes é defraudar o espírito do legislador.
XVIII – A facturação detalhada, integrando também dados de tráfego relativos às comunicações efectuadas – pelo menos, informações atinentes a todas as chamadas realizadas num determinado período, números de telefone chamados, data da chamada, hora de início e duração de cada comunicação –, inviabiliza a aplicação da norma do artigo 14.º, n.º 4, da Lei 109/2009, não sendo também de aplicar o preceito contido no artigo 18.º, apenas destinado a intercepções em tempo real, a exemplo das normas do CPP para que remete, anotando-se ainda que, no caso dos autos, o prazo de três meses, previsto no artigo 12.º, n.º 3, já se extinguiu.