Mandado de detenção europeu – MDE. Princípio do reconhecimento mútuo. Critério da dupla incriminação. Recusa facultativa. Prescrição do procedimento criminal. Processo equitativo. Direito a uma decisão em tempo útil. Ausência do requerido

MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU – MDE. PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO. CRITÉRIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO. RECUSA FACULTATIVA. PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL. PROCESSO EQUITATIVO. DIREITO A UMA DECISÃO EM TEMPO ÚTIL. AUSÊNCIA DO REQUERIDO

MDE Nº 67/23.3YRCBR
Relator: HELENA BOLIEIRO
Data do Acórdão: 12-04-2023
Tribunal: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTIGO 8.º, N.º 1, DA DECISÃO-QUADRO N.º 2002/584/JAI, DO CONSELHO, DE 13 DE JUNHO; ARTIGO 12.º, N.º 1, E 13.º, ALÍNEA B), DA LEI N.º 65/2003, DE 23 DE AGOSTO; ARTIGO 6.º DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS; ARTIGO 20.º, N.º 4, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; LEI N.º 144/99, DE 31 DE AGOSTO/LEI DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL; ARTIGO 5.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), DO CÓDIGO PENAL

Sumário:

I – O mandado de detenção europeu é um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros da União Europeia e consiste na decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, obedecendo a sua execução ao disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto e na Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, alterada pela Decisão-Quadro n.º 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de Fevereiro.
II – O princípio do reconhecimento mútuo em matéria de justiça penal na União Europeia, que o MDE concretiza, pressupõe a realização de um simples procedimento de controlo pelo tribunal, destinado a verificar a regularidade formal e substancial da decisão proferida pelo tribunal de um Estado-Membro e a inexistência de motivo de recusa da respectiva execução.
III – Em ordem a simplificar os pedidos e permitir responder-lhes mais facilmente, os MDE passaram a ser elaborados de modo uniforme mediante o preenchimento de um formulário próprio, mas previamente à emissão tem que ter sido proferida pela autoridade judiciária respectiva uma sentença nacional com força executiva, um mandado de detenção nacional ou decisão judiciária da mesma natureza, de forma separada daquele.
IV – O sistema relativo ao MDE implica um duplo nível de protecção para os direitos processuais e fundamentais de que a pessoa procurada deve beneficiar: a protecção judicial a um primeiro nível, em que é adoptada uma decisão judiciária nacional, por exemplo, um mandado de detenção nacional, e a protecção que é concedida a um segundo nível, em que um MDE é emitido.
V – As causas de recusa facultativa, previstas no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, estão ligadas à soberania penal do Estado português, não podem ser vistas isoladamente, devem ser consideradas e aplicadas tendo em conta o conjunto de fundamentos consagrados na lei, de modo a alcançar o equilíbrio entre as exigências da ordem pública do Estado-Membro de execução, no caso as exigências da ordem pública portuguesa, e a manifestação do ordenamento jurídico do Estado-Membro de emissão, submetidos à mesma balança de fiel comum: a cooperação judiciária europeia e os valores que emergem do princípio do reconhecimento mútuo, sua “pedra angular”.
VI – O funcionamento das causas de recusa facultativa suscita ainda a necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a adopção de decisões que evitem futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem.
VII – A prescrição do procedimento criminal enquanto causa de recusa facultativa da execução de MDE tem como pressuposto que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado, pois só quando os tribunais portugueses detenham essa competência é que se aplicam os prazos de prescrição do procedimento criminal, ou da pena, de acordo com a lei portuguesa.
VIII – No caso do artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se por estarem em causa bens ou interesses que não admitem a impunidade da respectiva ofensa, entrando-se no campo do princípio da universalidade ou da aplicação universal, que tem na cooperação internacional a sua mais lídima expressão, e no caso da alínea d) a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se por razões ligadas à tutela do princípio da nacionalidade activa, em que o critério é o da nacionalidade portuguesa do infractor e o fundamento, já tradicional, é o de que, em princípio, um Estado não extradita os seus cidadãos, exigindo-se em ambos os casos que que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de um mandado de detenção europeu.
IX – Quando o requerido, ausentando-se para paradeiro desconhecido, contribuiu para o retardamento do andamento do processo crime, não pode depois invocar violação do direito a um processo equitativo, concretamente o direito a uma decisão em tempo útil, com vista a obstar à execução do mandado.
X – O artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, trata das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais indicados na norma, garantias que se assumem como uma dimensão da dignidade da pessoa arguida e respectivos direitos fundamentais, entre os quais avulta o acesso ao direito e a um julgamento justo, explicitados juridicamente em termos processuais penais no exercício do princípio do contraditório e no princípio da presunção de inocência.

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