Mandado de detenção europeu. MDE. Princípio do reconhecimento mútuo. Critério da dupla incriminação. Recusa facultativa. Momento da prática do facto. Lugar da prática do facto. Crime instantâneo. Crime duradouro. Crime de omissão própria. Crime de subtracção de menor
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU. MDE. PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO. CRITÉRIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO. RECUSA FACULTATIVA. MOMENTO DA PRÁTICA DO FACTO. LUGAR DA PRÁTICA DO FACTO. CRIME INSTANTÂNEO. CRIME DURADOURO. CRIME DE OMISSÃO PRÓPRIA. CRIME DE SUBTRACÇÃO DE MENOR
MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU Nº 32/23.0YRCBR
Relator: VASQUES OSÓRIO
Data do Acórdão: 08-03-2023
Tribunal: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 1º, Nº 1, 2º, Nº 2 E 3, 3º, 4º, 5º, 12º, Nº 1, ALÍNEA G), H) E I), 13º, Nº 1, ALÍNEA B), DA LEI Nº 65/2003, DE 23 DE AGOSTO; ARTIGOS 3º, 7º E 249º, Nº 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO PENAL
Sumário:
I – O Mandado de Detenção Europeu, aprovado pela Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, em execução da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13-6-2002, é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro, Estado de emissão, visando a detenção e entrega por outro Estado membro, Estado de execução, de pessoa procurada, seja para efeitos de procedimento criminal, seja para efeitos de cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas da liberdade, que se executa com base no princípio reconhecimento mútuo e sem controlo da dupla incriminação do facto, nos casos previstos no artigo 2.º, n.º 2, e com controlo da dupla incriminação, nos casos subsumíveis à previsão do n.º 3 do mesmo artigo.
II – O núcleo do princípio do reconhecimento mútuo consiste em a decisão da autoridade judiciária competente e em conformidade com o direito do respectivo Estado membro dever ter efeito directo e pleno em todo o território da União Europeia, o que significa que se trata de um instrumento de reforço da cooperação entre as autoridades judiciárias dos seus Estados membros, porque as autoridades competentes do Estado membro onde a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à respectiva execução, como se fosse decisão tomada por autoridade competente deste Estado.
III – A Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, adoptou uma solução de compromisso entre a total abolição da exigência dupla incriminação e a reserva da soberania dos Estados, ao prever, no artigo 12.º, n.º 1, causas facultativas de recusa de execução do mandado de detenção europeu, causas estas que têm, na sua maioria, uma ligação à soberania penal.
IV – A recusa facultativa de execução do mandado terá sempre que ser justificada pela demonstração das reais vantagens que resultem para a investigação e conhecimento dos crimes objecto do mandado, da prevalência da jurisdição nacional sobre a jurisdição do Estado de emissão.
V – Na determinação do lugar da prática do facto o artigo 7.º do Código Penal adoptou o critério da ubiquidade, nos termos do qual relevam para a sua determinação quer o lugar da acção, quer o lugar onde se produziu o resultado típico.
VI – Crime instantâneo é aquele cuja consumação se traduz na realização de um acto ou na realização de um evento que não se prolonga no tempo, isto é, que se esgota num único momento.
VI – Crime duradouro, ou permanente, é aquele cuja consumação se prolonga no tempo por vontade do agente, que tem a faculdade de fazer terminar o estado antijurídico por si criado.
VII – O crime de subtracção de menor, do artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, é um crime de omissão própria e sendo irrelevante para a consumação desta espécie de crime a ocorrência ou não de resultado, ele consuma-se com a mera omissão, considerando-se o facto praticado no momento em que o agente não actuou e no local onde o agente devia ter actuado.
VIII – A natureza dos crimes imputados no MDE e o eventual exercício, ou não, do direito de queixa, na eventualidade de na legislação do Estado de emissão também existir este pressuposto positivo da punição, é questão que está subtraída, por força do princípio do reconhecimento mútuo, ao conhecimento do Estado de execução.
IX – A circunstância de a moldura penal constante da lei portuguesa aplicável ao crime em causa ser mais benévola do que a constante da legislação do Estado de emissão não é causa nem argumento válido para recusar a execução do mandado.