Mandado de detenção europeu. Mde. Dupla incriminação. Crime de evasão. Privação da liberdade

MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU. MDE. DUPLA INCRIMINAÇÃO. CRIME DE EVASÃO. PRIVAÇÃO DA LIBERDADE

MDE Nº 13/23.4YRCBR
Relator: PAULO GUERRA
Data do Acórdão: 22-03-2023
Tribunal: RELAÇÃO DE COIMBRA
Legislação: ARTIGOS 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 11.º, 12.º, 21.º E 40.º DA LEI N.º 65/2003 DE 23 DE AGOSTO; DECISÃO QUADRO Nº 2002/584/JAI, DO CONSELHO, DE 13 DE JUNHO; ARTIGO 19.º E 352º DO CÓDIGO PENAL

Sumário:

I – O mandado de detenção europeu é um instrumento de cooperação judiciária entre as autoridades judiciárias dos Estados membros da EU, não tem intervenção do poder executivo, e visa a detenção e entrega por um Estado membro de uma pessoa procurada por outro Estado membro, que emite o mandado, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
II – O MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo e assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados membros da UE, em conformidade com o disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, suprimindo o recurso à extradição.
III – Traduzindo a execução de um mandado de detenção europeu uma restrição importante do direito fundamental à liberdade num horizonte territorial alargado e dado o período de tempo em que a detenção potencialmente se pode manter sem que seja tomada a decisão final de entrega, a sua prossecução e a decisão que a montante é tomada quanto à sua emissão devem obedecer aos princípios da legalidade, da excepcionalidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade lato sensu.
IV – O MDE engancha teleologicamente na concepção de celeridade e de eficácia da cooperação judiciária europeia em matéria penal, mas não pode sacrificar os direitos fundamentais, sob pena de se deificar a descoberta da verdade e a realização da justiça e de se niilificar a protecção dos direitos fundamentais da pessoa procurada e de todos os outros.
V – No processo de execução de MDE a intervenção do tribunal do Estado de execução é restrita à verificação da regularidade do mandado, dos requisitos formais do mandado, à ocorrência de eventual situação de recusa da sua execução e ao controle do respeito pelos direitos fundamentais, não tendo de se pronunciar sobre a bondade, utilidade, adequação ou oportunidade da emissão do MDE.
VI – A reserva de soberania a que o MDE está sujeito impõe, nalguns casos, à autoridade judiciária portuguesa a recusa de execução do mandado, noutros permite-lhe a recusa do mandado e noutros ainda impõe a prestação de garantias especiais por parte do Estado membro de emissão para que o mandado possa ser executado.
VII – No caso de emissão de mandado pela prática do crime de evasão há necessidade da verificação da dupla incriminação, ou seja, verificar se o comportamento imputado também constitui infracção punível em Portugal, porque a infracção não consta do elenco do artigo 2.º, n.º 2, da Lei.
VIII – No caso, estando o requerido em cumprimento de pena de semi-liberdade, sem qualquer vigilância electrónica, não estava objectivamente privado de liberdade quando decidiu não regressar no término da licença, pressuposto do crime de evasão, resultando daqui que a infracção que motivou a emissão do MDE não constitui crime em Portugal.

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