Livrança. Avalista. Livrança em branco. Pacto de preenchimento. Preenchimento abusivo. Valoração da prova. Litigância de má fé

LIVRANÇA. AVALISTA. LIVRANÇA EM BRANCO. PACTO DE PREENCHIMENTO. PREENCHIMENTO ABUSIVO. VALORAÇÃO DA PROVA. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
APELAÇÃO Nº
1419/13.2TBMGR-A.C1
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Data do Acordão: 06-12-2016
Tribunal: COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – JUÍZO EXECUÇÃO
Legislação: ARTS.10, 17, 43, 75, 77 LULL, 542, 662 CPC
Sumário:

  1. Em princípio, o avalista da subscritora de uma livrança posiciona-se fora das relações imediatas que se estabelecem entre o emitente desta e a subscritora, encontrando-se apenas numa relação de imediação com a subscritora avalizada.
  2. Mas já estará naquelas relações imediatas, podendo defender-se com os vícios da relação fundamental perante o credor-emitente-portador da livrança, se, tendo assinado o título em branco, for envolvido por esse emitente no pacto de preenchimento, ou com ele participar numa relação extra-cartular que interfira nas condições para esse preenchimento.
  3. Em tais circunstâncias, o avalista pode sempre opor ao credor cambiário o pagamento total ou parcial do crédito causal da emissão da livrança, ainda que esse pagamento tenha sido efectuado pelo avalizado, mas sem que, todavia, se possa furtar à averiguação circunstancial de enquadramento daquele excepcionado pagamento, ou da sua viabilidade.
  4. A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.
  5. A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra ou do subscritor da livrança –-a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso.
  6. Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada» – arts. 10º e 32º-2.
  7. Na ausência de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que «co-aceitantes» e, com ele, responsáveis solidários.
  8. Quando o avalista tenha tomado parte no pacto de preenchimento de livrança em branco, subscrevendo-o, devam ser qualificadas de imediatas as relações entre ele e o tomador ou beneficiário da livrança – pois que não há, nesse caso, entre o avalista e o beneficiário do título interposição de outras pessoas -, o que confere ao dador da garantia legitimidade para arguir a excepção, pessoal, da invalidade do pacto de preenchimento.
  9. Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.
  10. A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
  11. A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos.

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