Intervenção de Elogio do Presidente do TRC na Sessão Solene «Homenagem de Coimbra ao Professor João de Matos Antunes Varela no Centenário do seu Nascimento»

Intervenção de Elogio

Na Sessão Solene «Homenagem de Coimbra ao Professor João de Matos Antunes Varela no Centenário do seu Nascimento»

organizado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Salão Nobre da Relação de Coimbra, em 18 de Dezembro de 2019

Luís Azevedo Mendes

Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra

 

 

–  Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Excelência

– Senhora Ministra da Justiça, Excelência

–  Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra

–  Senhores Vice-Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e Conselheiro Olindo Geraldes

– Senhor Professor Rui de Figueiredo Marcos, insigne Director da Faculdade de Direito de Coimbra e Orador nesta Sessão Solene

– Senhor Professor Pinto Monteiro, Decano da Faculdade de Direito e Senhor Doutor João Varela, também Oradores nesta Sessão

 – Senhores Juízes Conselheiros

        – Senhor Presidente do Tribunal da Relação do Porto

– Senhora Procuradora-Geral Distrital de Coimbra

– Senhor Vice-Reitor da Universidade de Coimbra, Professor João Nuno Calvão da Silva, por si e em representação do Magnífico Reitor

– Senhor Dr. Pedro Alves Loureiro, em representação do Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados

– Eméritos Presidentes desta Relação e Eméritos Procuradores Distritais de Coimbra

– Senhor Secretário Geral do Ministério da Justiça

– Senhora Vice-Presidente desta Relação

– Senhores Desembargadores

– Senhores Procuradores Gerais Adjuntos

– Senhores Presidentes dos Tribunais de Comarca de Coimbra, Leiria, Viseu e Guarda

– Senhora Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Solicitadores

– Senhora Administradora da Universidade de Coimbra, Professora Doutora Matilde Lavouras

– Senhora Subdirectora da Faculdade de Direito, Professora Doutora Ana Raquel Moniz

– Senhores Professores

– Senhor Director Distrital de Finanças, Senhor Director do Estabelecimento Prisional de Coimbra e Senhor Director Regional do Centro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

– Demais Senhores Dirigentes dos Organismos Públicos presentes

– Exmas. Autoridades Civis, Militares e Académicas

– Senhores Funcionários deste Tribunal

– Ilustres Convidados

– Minhas Senhoras e meus Senhores

 

1. Por ocasião do centenário do seu nascimento, em 15 de Dezembro de 1919, e em forma solene, procuramos hoje a partir de Coimbra homenagear um grande português, jurista excepcional, homem público esclarecido, governante com obra exemplar na Justiça, professor que marcou várias gerações, homem do mundo, hoje tanto como antes bem reconhecido, estudado e citado em todo o universo jurídico de expressão lusófona.

A grandeza de João de Matos Antunes Varela e da sua memória está bem traduzida nas ilustres presenças nesta Sessão e que muito agradeço, contando com figuras do mais alto topo da Justiça como Vossa Excelência Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e como Vossa Excelência Senhora Ministra da Justiça.

Nesta celebração de um dos mais importantes catedráticos de Direito de Coimbra é-me especialmente grato e à Relação de Coimbra ter contado com o forte incentivo e apoio da Faculdade de Direito de Coimbra, apoio entusiasmado sempre transmitido pelo seu magnífico director, Rui de Figueiredo Marcos, ao qual de resto pertence a paternidade da ideia celebrativa para este local, com o meu pronto abraço.

Antunes Varela diz muito a esta Relação. Diz tanto, que mantemos no claustro do piso mais nobre um busto esculpido com a sua figura, de grande dimensão, como lembrança do muito que fez por este palácio da justiça enquanto Ministro da Justiça.

Este mesmo Salão Nobre, em que nos encontramos, foi construído e decorado, exactamente com agora o vemos, por sua acção pessoal. Inaugurou-o em Abril de 1959, juntamente com a memorável e assim chamada “Exposição do Código Civil de 1867 e do futuro Código Civil” por ele aqui promovida, comissariada pelos saudosos professores Braga da Cruz e Rui Alarcão. Acompanhou e aprovou todo o programa decorativo do Salão. Desde o tecto em caixotões, aos panos nas paredes, ao mobiliário para aqui desenhado, ao grande lustre no centro da sala, à tapeçaria de Guilherme Camarinha que enquadra a tribuna, este Salão é Antunes Varela.

Mas fez mais: de 1956 a 1962, pela sua mão deu-se uma profunda remodelação do palácio, com a criação de mais espaços, do perímetro e até de mais um piso. Foi a mais importante obra que tivemos desde a inauguração em 1934.

E fez mais ainda: foi ele que tratou de adquirir o terreno aqui ao lado, hoje utilizado como estacionamento, para a obra do outro palácio de justiça adjacente e porque este há muito já não chega. Em 1967 quando deixou o Ministério já havia projecto para arrancar, do arquitecto Amoroso Lopes. As irónicas evidências da história parecem levar a crer que só ele, se tivesse continuado, conseguiria a obra, qual homem providencial. O que não pode naturalmente ser verdade, mas o certo é que há mais de cinquenta anos ninguém a consegue levar a bom porto, apesar das boas vontades e até apesar de há trinta anos haver outro projecto completo dos arquitectos Vasco Cunha e Francesco Marconi.

Por tudo isto, fez muito bem o meu antecessor presidente desembargador Carlos Leitão, aqui presente e a quem faço vénia, quando há vinte anos retirou de uma garagem o busto escultórico de Antunes Varela, para onde tinha sido atirado em 1975 como se fosse um calhambeque histórico, e a colocou no local nobre onde hoje está.

 

2.  Senhoras e Senhores

Seguramente, nesta sessão serão ditas palavras bem mais certeiras sobre o nosso homenageado.

Permitam-me, contudo, porque estamos numa casa do judiciário que diga da importância de Antunes Varela para as nossas instituições na justiça de natureza orgânica ou meramente legal, aquelas que são bases fundamentais para a aplicação e operação do direito. E que, para tal, aproveite as palavras do Professor.

No dia 6 de Maio de 1995, neste Salão Nobre, Antunes Varela proferiu uma importante conferência por ocasião da sessão comemorativa do 20.º aniversário da Colectânea de Jurisprudência, convidado para tal como Orador Oficial do evento e por decisão unânime do grupo de juízes que sustentava então essa ainda hoje importante revista, circunstância que ele quis salientar em agradecimento quando falou.

Numa pequena parte do seu discurso falou da obra feita, por si prestada à causa do Direito e aos problemas da Justiça em Portugal. E em ambas essas causas declarou que sempre lhe assistiu a “tranquila consciência do dever cumprido”.

Desde logo, tranquila na actividade docente, que muitos dos aqui presentes bem recordam, actividade essa sucessivamente dispersa em seis universidades portuguesas e brasileiras.

Mas também falou da sua actividade no cargo de Ministro da Justiça. E disse o que passo a citar:

«… E idêntico sossego de espírito guardo ainda hoje da actividade bastante mais complexa que a conjuntura política lançou sobre os meus ombros, quando chamado inesperadamente a sobraçar a pasta da Justiça, escassos anos decorridos sobre a prestação das provas públicas do meu doutoramento na Faculdade.

 Lembro-me ainda agora, quase como se fosse hoje, do estado de degradação material da generalidade das instalações dos serviços da justiça, que eu calcorreei esforçadamente de norte a sul do país, quer no continente, quer nas ilhas, com imagens que a memória jamais deixará apagar do mundo das recordações mais pungentes da minha vida: desde a repugnante cadeia comarcã de Santa Comba, com parasitas à vista desarmada do visitante (…) até à posição subalterna ocupada por tribunais, cartórios e conservatórias nos antigos Paços do Concelho, em que a peça fundamental do edifício consistia sistematicamente no velho salão nobre da Câmara; passando pela balbúrdia infernal, na própria capital do país, de juízes cíveis e criminais instalados no casarão da Boa Hora, à mistura com câmaras de falências, armazéns de leilões e quilómetros de prateleiras de arquivos judiciais, a que ninguém sabia que destino haveria de dar. (…)

 Com a preciosa ajuda dos municípios, continentais e insulares, (…) se operou o vasto movimento de substituição dos antigos Paços do Conselho pelos novos Palácios da Justiça. Edifícios de nova traça que permitindo a conveniente autonomização dos Tribunais e serviços afins, tinham como peça central a sala de audiências, intencionalmente decorada com as obras de arte mais adequadas à exaltação da Justiça na vida dos povos e à valorização do direito na formação da comunidade local.

 E se foi sobejamente conhecido o papel activo do Ministério da Justiça na vastíssima campanha de restauração material dos serviços, que beneficiou dezenas de comarcas em todo o país, também é de igual modo bom saber que, no profundo movimento de renovação legislativa da época(…), o titular da pasta, longe de se limitar à simples aprovação dos projectos elaborados pelos serviços oficiais ou por comissões especiais de trabalho, foi um esforçado operário de toda a construção, em que participou, desde os alicerces dos trabalhos preparatórios até à perfeita integração sistemática de cada novo diploma no espírito geral do sistema.

 Recordo-me de eu mesmo, por meu próprio punho, depois de ter presidido activamente a dezenas de sessões de trabalho de algumas comissões revisoras (como do Código Civil, do Código de Processo Civil e até da parte geral do futuro Código Penal), ter redigido, em alguns casos por mais de uma vez, do primeiro ao último artigo, os principais diplomas emanados do Ministério nesse período, desde o Código Civil, o Código de Processo Civil, os Códigos do Registo Predial, do Registo Civil e do Notariado, aos diplomas de outro nível, mas de inegável delicadeza como, entre muitos outros, o Código das Custas Judiciais, a Lei da Nacionalidade, o Estatuto Judiciário ou a Lei de infracções anti-económicas…».Fim de citação. 

 

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Esta breve descrição da obra própria impressiona a um tempo pela sua simplicidade, a outro tempo pela tarefa homérica que essa simplicidade apenas deixa espreitar.

Da intensa actividade legislativa, estou certo, falarão nesta Sessão os nossos professores de Direito, colocando nos altares monumentais, e acima de todas, a obra do Código Civil, ao qual seria justo chamar Código de Varela, já que ao anterior chamamos Código de Seabra.

Do seu labor como civilista, deixem-me dizer, falarão mudos os juízes como eu que o citam mais do que a outro, há décadas, nas suas sentenças e acórdãos e que o têm como o maior civilista das suas vidas no Direito.

É, porém, também justo e do máximo interesse sublinhar muito o papel que João de Matos Antunes Varela teve na dotação dos equipamentos judiciários, particularmente na instalação dos tribunais.

Nos duzentos anos do novo regime saído da revolução liberal do século XIX, fundado no constitucionalismo e na separação de poderes e que almejava para o poder judicial uma dotação autónoma de equipamentos, com palácios da justiça dignos e separados, nunca houve um ministro da justiça que edificasse tantos palácios da justiça como Antunes Varela. De tal modo, que bem o poderíamos cognominar como o “senhor palácio da justiça” ou como “campeão dos palácios da justiça”.

Foi de quarenta e sete o número de palácios da justiça por ele inaugurados enquanto Ministro, mas quando deixou a pasta deixou muitos outros projectados, alguns deles em construção adiantada, como o mais complexo de todos, o Palácio da Justiça de Lisboa, ainda hoje inacabado considerando o que era antecipado na época. A par disso, deu atenção realizadora às construções prisionais, à instalação de conservatórias e notariados, às casas de magistrados e a muitas outras questões que a renovação do parque imobiliário judicial exigia. Impressionante, digo eu, a todos os títulos.

O conhecimento do passado das nossas instituições judiciárias é um conhecimento fundamental. Sem ele, não aprendemos, não percebemos, não continuamos, não inovamos, quando afinal a matéria para o aguçar da inteligência e da inspiração criadora está ali, mesmo à mão, nas experiências do passado. Havendo ocasião propícia valiosa, como esta em que estamos, há que aprender.

A Relação de Coimbra fez uma aprendizagem desse caminho virtuoso de memória e de conhecimento nas recentes comemorações do seu próprio centenário. Tão útil e, a tantos títulos, inspirador ele se revelou, que quis marcar o encerramento desse centenário no dia do início das celebrações dos 60 anos do Palácio da Justiça de Leiria, em Maio último, dia em que também se inaugurou uma exposição alusiva que acaba por nos trazer a Antunes Varela.

Na verdade, o Palácio de Leiria foi inaugurado por Antunes Varela em 1959, com apenas quarenta anos. Não foi o único. Nesse ano inaugurou no distrito judicial de Coimbra outros, como os de Tomar e Caldas da Rainha.

 Mas já antes inaugurara na Região Judicial de Coimbra, o de Mangualde, em 1956, o da Covilhã, em 1957. E depois deles, os da Figueira da Foz e Celorico da Beira, em 1961, o de Aveiro, em 1962, o de Idanha-a-Nova, em 1963, o de Gouveia, em 1964, os de Oliveira de Azeméis, Santa Comba Dão e Lamego, em 1965, os da Anadia, Pombal e Oliveira do Hospital, Seia e Sabugal, em 1966, e o da Golegã, em 1967.

O valor da celebração de um Palácio da Justiça é aquele que reconhece a alta importância destes equipamentos para a Justiça dos povos e das comunidades. Hoje, na deserção dos últimos largos vinte e cinco anos quanto ao programa de novos grandes equipamentos, saudar um palácio da justiça como os que citei é saudar o coerente programa em que se inscreveram e que dotou o país no século XX e em pouco mais de três décadas de bem pensados palácios da justiça.

 

Excelências

Ilustres Convidados

Senhoras e Senhores

3.O Palácio de Leiria de que falei, por proximidade, e os outros têm um lugar na exposição sobre Antunes Varela que hoje inauguramos na Relação de Coimbra, tal como têm lugar as outras facetas da sua imensa obra e, de forma mais interior, as facetas pessoais do homem grande que ele foi e que o explicam.

A exposição procura fixar a memória do centenário do seu nascimento durante o ano que agora se inicia.

Em 2020, no país ocorrerão outros eventos celebrativos. É por isso com especial júbilo que sublinho a parceria entre a Relação de Coimbra e a Relação do Porto que organiza esta exposição, parceria que muito agradeço ao meu querido amigo e grande fazedor Nuno Ataíde das Neves, o esclarecido presidente da Relação do Porto. A exposição que hoje abrimos seguirádepois de Coimbra para o Palácio da Justiça do Porto onde a respectiva Região celebrará noutra sessão o nosso homenageado. E que bem ficará ela no palácio do Porto, de 1961, porventura o mais imponente dos palácios inaugurados por Antunes Varela e que tem o risco de Rodrigues Lima tal como o de Leiria de que já falei!

Agradeço ainda à Senhora Ministra da Justiça, que muito nos conforta com a sua presença nesta homenagem, toda a colaboração prestada pela Secretaria Geral do Ministério e, nessa colaboração, muito agradeço ao Dr. Carlos de Sousa Mendes, Secretário-Geral do Ministério da Justiça, que nesta como noutras acções sobre a memória, o património e a cultura da justiça, tem tido um papel de sustentador e incentivador acima do comum nos dirigentes das organizações da justiça.

E é tempo de concluir, como se costuma dizer quando se sente que já vai longe a paciência do auditório.

Termino quase como comecei, mas de outro modo, na demonstração da causa do reconhecimento, dirigindo-me ao filho mais velho, aqui entre nós, e à família da figura centenária aqui lembrada.

Senhor Professor João Varela, pelo seu pai, em nome da Relação de Coimbra queira receber o sincero testemunho de gratidão que o presente acto, por nós organizado, significa.

 Muito obrigado.

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