Interdição. Incapacidade. Início da incapacidade. Presunção. Incapacidade acidental. Partilha. Anulação

INTERDIÇÃO. INCAPACIDADE. INÍCIO DA INCAPACIDADE. PRESUNÇÃO. INCAPACIDADE ACIDENTAL. PARTILHA. ANULAÇÃO
APELAÇÃO Nº
123/15.1T8TCS.C1
Relator: LUÍS CRAVO
Data do Acordão: 12-12-2017
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – TRANCOSO – JUÍZO C. GENÉRICA
Legislação: ARTS.150, 257, 287 CC
Sumário:

  1. Quanto ao valor da fixação na sentença que decreta uma interdição da data do começo dessa incapacidade, na vigência do Código Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência têm atribuído a tal declaração judicial um valor meramente indiciário: não de uma presunção legal (iuris et iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação.
  2. Contudo, é legítimo falar a este propósito de uma forte presunção de que o negócio praticado depois da data em que principiou a incapacidade natural (segundo a sentença de interdição), foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade, sendo a esta luz que haverá como que um ónus “reforçado” de contraprova por parte dos demandados na acção – de contraprova da incapacidade, isto é, de que o ato foi praticado num momento “lúcido”.
  3. A presunção judicial intercede na operação de apreciação e valoração da prova ao constituir um mecanismo necessário para levar o Tribunal a afirmar a verificação de certo facto controvertido, suprindo as lacunas de conhecimento ou de informação que não possam ser preenchidas por outros meios de prova, ou servindo ainda para valorar os meios de prova produzidos.
  4. Resultando apurado que a “diminuição inespecífica do volume encefálico” (decorrente duma intervenção cirúrgica no ano de 2002), ainda que não a única causa, foi seguramente determinante para a “síndrome demencial” que o A./recorrente veio a patentear, a qual “evoluiu para um défice cognitivo global muito marcado em comorbilidade com Diabetes”, situação diagnosticada à data do ato impugnado na acção (no ano de 2011), a presunção natural ou judicial aludida tinha que ser atendida na valoração das provas e suprimento das lacunas de informação, em ordem a concluir-se pelo déficite cognitivo no momento do negócio, isto é, que o A./recorrente não tinha uma vontade livre e discernida no ato em causa.
  5. Estando em causa um ato praticados antes da publicidade da ação de interdição, há que atender, ex vi legis, ao disposto relativamente à incapacidade acidental (cf. art. 150º do C.Civil).
  6. A incapacidade acidental, prevista e regulada no artigo 257º do C.Civil, exige, para a anulabilidade do acto, que, no momento da prática do acto, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; e que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (passível de apreensão por uma pessoa média, colocada na posição do declaratário), assim se tutelando a boa-fé deste último e a segurança jurídica.
  7. Encontra-se ferida de anulabilidade a celebração da partilha do património conjugal, efectuada por uma pessoa maior, mas dotada de incapacidade acidental de exercício, no momento da prática desse acto, não interdita, nem inabilitada, se a contraparte sabia ou devia ter-se apercebido que o declarante não estava “lúcido”.

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