Instituições de crédito. Banco de Portugal. Poderes de supervisão. Medidas de resolução

INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO. BANCO DE PORTUGAL. PODERES DE SUPERVISÃO. MEDIDAS DE RESOLUÇÃO
APELAÇÃO Nº
998/16.7T8GRD.C1
Relator: BARATEIRO MARTINS
Data do Acordão: 12-04-2018
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – INSTÂNCIA CENTRAL
Legislação: ARTºS 139º E 145º DO RGICSF
Sumário: 

  1. Ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos poderes para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adoção dessas medidas seja norteada e sujeita “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”(cfr. art. 139.º do RGICSF).
  2. No art. 145.º-A do RGICSF (que estabelecia as finalidades das medidas de resolução) dizia-se que “o Banco de Portugal pode aplicar, relativamente às instituições de crédito com sede em Portugal, as medidas previstas no presente capítulo, com o objectivo de prosseguir qualquer das seguintes finalidades: a) Assegurar a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais; b) Acautelar o risco sistémico; c) Salvaguardar os interesses dos contribuintes e do erário público; d) Salvaguardar a confiança dos depositantes.”
  3. No artigo 145.º-B do RGICSF (sobre o princípio orientador da aplicação de medidas de resolução), dizia-se que “na aplicação de medidas de resolução, procura assegurar-se que os accionistas e os credores da instituição de crédito assumem prioritariamente os prejuízos da instituição em causa, de acordo com a respectiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores”
  4. No art. 145.º-C do RGICSF (sobre a aplicação de medidas de resolução) dizia-se que, “quando uma instituição de crédito não cumpra, ou esteja em risco sério de não cumprir, os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua actividade, o Banco de Portugal pode aplicar as seguintes medidas de resolução, se tal for indispensável para a prossecução de qualquer das finalidades previstas no artigo 145.º-A: a) Alienação parcial ou total da actividade a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa; b) Transferência, parcial ou total, da actividade a um ou mais bancos de transição.”
  5. No art. 145.º-G do RGICSF (sobre a transferência parcial ou total da actividade para bancos de transição) dizia-se que “o Banco de Portugal pode determinar a transferência, parcial ou total, de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição de crédito para um ou mais bancos de transição para o efeito constituídos, com o objectivo de permitir a sua posterior alienação a outra instituição autorizada a desenvolver a actividade em causa”; que “o banco de transição é constituído por deliberação do Banco de Portugal, que aprova os respectivos estatutos”; que “após tal deliberação o banco de transição fica autorizado a exercer as actividades previstas no n.º 1 do artigo 4.º”
  6. Ou seja, resulta de tais preceitos legais que ao BP, enquanto autoridade de supervisão, incumbe a adopção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, devendo aplicar as medidas que forem consideradas adequadas e proporcionais, no que lhe é dada ampla liberdade de decisão Poderes que resultam também da Directiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte pela Lei nº 23-A/15, de 26-3, em vigor desde 31-3-15. Nos termos desta Directiva, pode a entidade de resolução transferir a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de activos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou possa sair afectada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado, tendo em conta os princípios orientadores da referida directiva, acima referidos entre outros).; visando-se com tais medidas salvaguarda a solidez e estabilidade financeira do sistema financeira (evitando o risco sistémico), os interesses e a confiança dos depositantes e os interesses dos contribuintes; estando expressamente prevista a medida (de resolução) tomada e a faculdade de serem seleccionados activos, direitos e passivos a serem transmitidos para o banco de transição e a faculdade de retransmissão destes mesmos activos ou passivos, desde que tais decisões sejam norteadas pela tutela do interesse público, do sistema financeiro e dos depositantes.
  7. Como referimos, as deliberações em causa do BP – que assumem a natureza de actos normativos regulamentares, vigorando em pleno na ordem jurídica enquanto não forem revogadas/anuladas (e não há notícia nos autos de que o tenham sido) – só por via administrativa são/eram impugnáveis, o que, porém, não significa que o modelo legal em que se basearam não possa ser aqui apreciado do ponto de vista da sua constitucionalidade material.
  8. A (urgente) medida de resolução tomada – intervenção e posterior liquidação do B… e criação dum Banco de Transição – foi determinada pela verificação da deterioração grave da situação financeira e prudencial do B…, o que colocava em causa quer o B… quer a estabilidade do sistema financeiro nacional; e não era nada seguro (especialmente, à época) que a simples revogação da autorização ao B… e a sua imediata entrada em liquidação fosse uma solução mais favorável (ou “menos desastrosa”).
  9. Sendo a medida de resolução estritamente necessária, não podia o BP, como autoridade de supervisão, na interpretação/aplicação do RJICSF, deixar de escolher os activos e passivos a transferir, como o fez; e as escolhas tinham, naturalmente, que concretizar uma “medida de resolução” eficaz, não podendo beneficiar determinados credores em detrimento de outros, ou, mais exactamente, não podia permitir que credores de uma mesma categoria fossem tratados de forma diferente no âmbito da medida de resolução.
  10. É totalmente compreensível – na ponderação dos interesses em confronto – que, no critério de “escolha” (das deliberações do BP), se haja afastado do Banco de Transição tudo o que constituísse responsabilidades e contingências ainda não determinadas, pelo que o deliberado não assentou em interpretações/aplicações feridas de inconstitucionalidade.

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