Insolvência. Verificação ulterior de crédito. Forma de processo. Contrato promessa. Recusa de cumprimento. Direito de retenção. Consumidor

INSOLVÊNCIA. VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITO. FORMA DE PROCESSO. CONTRATO PROMESSA. RECUSA DE CUMPRIMENTO. DIREITO DE RETENÇÃO. CONSUMIDOR
APELAÇÃO  Nº
728/14.8TBFIG-C.C1
Relator: MOREIRA DO CARMO 
Data do Acordão: 12-01-2016 
Tribunal: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC.COMÉRCIO – J1
Legislação: ARTS. 102, 146 CIRE, 410, 442, 755 Nº1 F) CC
Sumário:

  1. Se a A. reclama o reconhecimento de um seu crédito ulterior e sua graduação como crédito garantido por direito de retenção, num processo de insolvência, e utiliza, para tal efeito a acção prevista no art. 146º do CIRE utilizou a forma processual adequada, pelo que não existe erro na forma do processo; ademais o erro na forma do processo só pode ser arguido até à contestação (arts. 193º, nº 1, e 198º, nº 1, do NCPC), o que a ora recorrente não fez, não podendo fazê-lo em recurso.
  2. Não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.
  3. A promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, basta-se formalmente com a existência de documento escrito (art. 410º, nº 2, do CC).
  4. No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, tal documento deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte, o que não acontece se o promitente vendedor, no caso representado pelo administrador da insolvência, não tiver alegado que a falta de tais formalidades legais se deveu a conduta culposa do promitente- comprador.
  5. Dispondo o art. 102º, nº 1, do CIRE, que em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento, dele decorre com clareza, até pela sua epígrafe “negócios não cumpridos” ou da epígrafe da do capítulo V em que se insere “negócios em curso”, que só se aplica quando o contrato não está totalmente cumprido ou definitivamente não cumprido, pois nesta última situação não se aplicaria tal normativo; essa a razão porque num contrato promessa não totalmente cumprido nem definitivamente incumprido passa para tal administrador a lógica opção de cumprir ou recusar o cumprimento do contrato.
  6. Da letra da lei – art.102º, nº 2, do CIRE – resulta que a fixação de um prazo para o administrador da insolvência cumprir ou recusar o cumprimento de um contrato depende da iniciativa do outro contraente, não determinando a lei nenhuma forma especial obrigatória para tal interpelação ao administrador, podendo por isso ser judicial ou extrajudicial.
  7. Optando a A. pela interpelação por via judicial, a partir do momento em que a massa insolvente é citada, foi-lhe dado conhecimento da pretensão da A. formulada na p.i. – de o administrador cumprir o contrato se assim o entendesse – (art. 219º, nº 1, do NCPC), produzindo tal interpelação efeitos a partir daí (art. 259º, nº 2, do NCPC), designadamente tornando estáveis os elementos essenciais da causa, como o pedido e a causa de pedir (arts. 564º, b) e 260º do mesmo código), o que quer dizer que a massa insolvente/administrador de insolvência foi interpelada para tomar uma decisão sobre o cumprimento do aludido contrato ou recusa do seu cumprimento;
  8. Existe recusa de cumprimento por parte do administrador da insolvência, em cumprir um determinado contrato promessa, se o outro contraente o interpela judicialmente para tomar a sua opção e o mesmo na contestação da acção apresentada pela insolvente, por si representada, concluiu tal articulado requerendo que os pedidos da A., outra contraente, sejam julgados improcedentes, o que equivale, muito claramente, a uma declaração tácita (art. 217º, nº 1, do CC) por parte de tal administrador de que recusava o cumprimento do aludido contrato promessa.
  9. Se a A. é uma promitente-compradora, consumidora, que celebrou um contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, que sinalizou o mesmo, que recebeu a tradição do imóvel prometido vender, contrato esse que não chegou a ser cumprido por parte do insolvente e que também não obteve o cumprimento do administrador da insolvência (AI), goza a mesma do direito de retenção, estatuído no art. 755º, nº 1, f), do CC, pelo seu crédito derivado do incumprimento de tal contrato, em estrita consonância com o entendimento firmado AUJ nº 4/14, em DR, 1ª série, de 19.5.2014.

Consultar texro integral