Insolvência. Extinção da instância. Credor. Insolvente. Nulidade de sentença. Dever de fundamentação. Contrato-promessa de compra e venda. Incumprimento definitivo. Declaração tácita. Resolução

INSOLVÊNCIA. EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA. CREDOR. INSOLVENTE. NULIDADE DE SENTENÇA. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INCUMPRIMENTO DEFINITIVO. DECLARAÇÃO TÁCITA. RESOLUÇÃO
APELAÇÃO Nº
63/11.3TBLMG.C1 
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Data do Acordão: 23-02-2016
Tribunal: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL
Legislação: AUJ 1/2014; ARTºS 47º, Nº 1, 90º, 146º, NºS 1 E 2, AL. B), ESTES DO CIRE. ARTºS 205º CRP; 605º, Nº 1, AL. B) DO NCPC. ARTº 442º, Nº 2 DO C. CIVIL.
Sumário:

  1. O crédito invocado pelos AA., sendo anterior à declaração de insolvência, confere-lhes a qualidade de credores da mesma, nos termos do art.º 47º, nº 1, havendo de ser satisfeito pela massa insolvente, integrada por todo o património do devedor existente à data em que a insolvência é declarada, conforme estatui o art.º 46º, nº 1, ambos os preceitos do CIRE.
  2. E por assim ser, consoante imposto pelo art.º 90º do CIRE, os AA. apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do mesmo CIRE, a saber, durante a pendência do processo de insolvência, ou seja, mediante reclamação nos termos dos artºs 128º e seguintes, conforme terá ocorrido, ou posteriormente, através de acção a instaurar contra a massa insolvente, os credores e a devedora, ao abrigo do disposto no art.º 146º, n.ºs 1 e 2, alínea b).
  3. Deste modo, tendo o crédito dos AA. sido reconhecido no âmbito do processo de insolvência, parece que nenhuma utilidade haveria no prosseguimento da presente acção declarativa, no que à sua pretensão diz respeito, uma vez que a existência, natureza e extensão do seu crédito teriam de ser debatidas e decididas naquele outro processo.
  4. Interpretação diversa, no sentido de que aos credores será permitido exercer os seus direitos nos termos gerais logo que o processo de insolvência se mostre encerrado, contraria abertamente a doutrina fixada no AUJ, porque nesse caso justificar-se-ia que as acções pendentes prosseguissem até à obtenção de título executivo, o qual poderia ser feito valer contra o devedor após o encerramento do procedimento insolvencial, assim mantendo a acção declarativa a sua utilidade.
  5. Mas se tal linha argumentativa nos conduziria ao decretamento da extinção da instância, no que ao recurso interposto pelos AA diz respeito, a verdade é que o crédito por eles reclamado, acertadamente ou não, foi reconhecido como crédito sob condição, assim tendo ficado dependente do seu reconhecimento no âmbito desta acção.
  6. E por assim ser, sob pena de, por força da extinção da presente instância, nunca se verificar a condição, a presente acção declarativa, nesta específica e concreta situação, mantém a sua utilidade, pelo que prosseguirá também para apreciação do recurso interposto pelos AA.
  7. O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cf. art.º 205.º, n.º 1 da CRP) e, sendo um instrumento legitimador da própria decisão – quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário e acatado o seu conteúdo -, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso.
  8. Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido – entendimento que mantém plena actualidade face à redacção da al. b) do art.º 615.º do nCPC agora em vigor, uma vez que reproduziu, sem alterações, a disposição cessante, antes contida na al. b) do nº 1 do art.º 668.º do CPC – só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal.
  9. Pese embora alguma divergência doutrinária e jurisprudencial, é nosso entendimento que só o incumprimento definitivo, que não a simples mora, é susceptível de desencadear o regime sancionatório do nº 2 do art.º 442.º do C. Civil, no domínio do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, posição que cremos largamente maioritária.
  10. Sucede, porém, que o incumprimento definitivo do contrato, conforme vem sendo admitido, pode ainda decorrer da declaração, expressa ou tácita, do devedor, no sentido de que não vai cumprir, declaração que pode ter lugar mesmo antes do vencimento da obrigação.
  11. Na declaração resolutiva tácita, embora o declarante não afirme claramente a sua vontade de extinguir o contrato, ela deduz-se com segurança da sua actuação; no entanto, tal comportamento terá de ser de tal modo concludente que a declaração tácita de incumprimento dele resultante seja equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial, evidenciando o seu propósito firme e definitivo de não cumprir, assim tornando dispensável a interpelação admonitória do art.º 808º.
  12. Vem sendo entendido que a declaração do devedor que resolve o contrato sem fundamento preenche os assinalados requisitos, atribuindo ao credor o direito potestativo de o resolver, apontando-se como exemplo precisamente o caso de, no contrato-promessa, ser pedida pelo promitente-comprador a restituição do sinal em dobro.
  13. Não obstante, afigura-se que o princípio enunciado não deverá ser aceite sem reservas, devendo a conduta do devedor ser ponderada caso a caso, tendo em vista determinar se estamos perante um comportamento do qual se infira que aquele recusa o cumprimento do contrato “de forma categórica, clara e definitiva”.
  14. Resulta do preceituado nos artigos 442º, nº 4 e 811º, nº 2, ambos do C. Civil, que em caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda ao promitente-vendedor está vedado exigir indemnização pelo incumprimento para além do dobro do sinal, excepto se outra coisa tiver sido convencionada.
  15. Todavia, a existência do sinal não obsta à fixação de indemnização ao credor, nos termos gerais, se está em causa uma obrigação secundária e autónoma da obrigação principal, sendo portanto outro o fundamento indemnizatório que não o incumprimento do contrato-promessa celebrado.

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