Insolvência. Exoneração do passivo restante. Indeferimento liminar. Insolvência culposa. Dever de informação

INSOLVÊNCIA. EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE. INDEFERIMENTO LIMINAR. INSOLVÊNCIA CULPOSA. DEVER DE INFORMAÇÃO
APELAÇÃO Nº 6505/19.2T8CBR-E.C1
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Data do Acordão: 19-10-2020
Tribunal: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO COMÉRCIO – JUIZ 3
Legislação: ARTS.24, 83, 186 Nº2 D), 238 E), G) CIRE, 7, 8 CPC
Sumário:

  1. Uma doação efectuada pelo devedor aos filhos, durante os três anos anteriores ao início do processo de insolvência, corresponde a um acto de disposição de um bem do devedor em proveito de terceiros que se insere no âmbito de previsão da alínea d) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE e que, como tal, determina, por si só, a qualificação da insolvência como culposa, sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor e de que existiu um nexo causal entre a sua actuação e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Nessas circunstâncias, a referida doação implicará também o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 238.º do citado diploma.
  2.  A violação dos deveres de informação e colaboração que é susceptível de determinar – ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art. 238.º do CIRE – o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo não ocorre apenas quando o devedor viola a obrigação expressamente prevista no art. 83º do citado diploma (não prestando a informação ou colaboração que lhe seja solicitada pelo administrador da insolvência, pela assembleia de credores, pela comissão de credores ou pelo tribunal); a violação daqueles deveres também ocorre quando o devedor, sem justificação, não junte algum dos elementos (de carácter informativo) que são exigidos pelo art. 24.º ou quando alegue factos referentes a essas matérias que não sejam verdadeiros, podendo ainda concluir-se pela violação desses deveres quando, de um modo geral, o devedor omita a alegação ou altere a verdade de factos relevantes com desrespeito pelos deveres de cooperação e boa-fé processual previstos nos arts. 7.º e 8.º do CPC.
  3. Nessas circunstâncias, a falta de alegação pelo devedor, no requerimento inicial, de uma doação que havia celebrado nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência configura uma violação dos citados deveres (por ser um facto relevante para o processo de insolvência) e essa omissão, desde que dolosa ou gravemente negligente, determina o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante.
  4. Para que a falta de alegação desse facto, no requerimento inicial, possa ser configurada como dolosa ou gravemente negligente é necessário que o devedor tivesse a consciência do dever de alegar esse facto ou que estivesse em condições de tomar essa consciência se tivesse adoptado os cuidados elementares que só uma pessoa particularmente descuidada deixaria de observar.
  5. Não resultando provado que o devedor tivesse consciência desse dever; estando em causa um facto cuja necessidade de alegação no requerimento inicial não era expressamente imposta pela lei (não estava em causa um facto que se reportasse aos elementos que, em conformidade com o disposto no art. 24.º, tinham que instruir a petição inicial e não existia qualquer outra disposição legal que impusesse de modo expresso o dever de o alegar no requerimento inicial) e não se podendo ter como manifestamente infundada ou irrazoável determinada leitura/interpretação da lei no sentido de não existir o dever de alegação daquele facto no requerimento inicial, não há bases para concluir que a violação daqueles deveres é imputável a dolo ou negligência grave do devedor.

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