Insolvência culposa. Pessoas afetadas. Contas da sociedade. Passivo. Responsabilidade dos gerentes
INSOLVÊNCIA CULPOSA. PESSOAS AFETADAS. CONTAS DA SOCIEDADE. PASSIVO. RESPONSABILIDADE DOS GERENTES
APELAÇÃO Nº 1817/20.5T8CBR-A.C1
Relator: HELENA MELO
Data do Acórdão: 12-07-2022
Tribunal: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Legislação: ARTIGO 186.º, N.ºS 1 E 2, DO CIRE
Sumário:
I – O n.º 2 do art.º 186.º do CIRE estabelece presunções juris et de jure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade do comportamento do insolvente, para a criação ou agravamento da situação de insolvência. Há, assim, certos comportamentos ilícitos dos administradores das pessoas coletivas que o legislador tipificou como insolvência culposa, e que podem ser aplicados às pessoas singulares, prescindindo do juízo sobre a culpa, os quais vêm taxativamente enumerados no n.º 2. Esses comportamentos são suscetíveis de afetar negativa e significativamente o património do devedor, e está-lhes subjacente a intenção de obstaculizar ou dificultar gravemente o ressarcimento dos credores, pelo que se presume que a insolvência é culposa.
II – A problemática das provisões, passivos contingentes e ativos contingentes merece particular atenção no âmbito da contabilidade, dadas as incertezas e riscos que inevitavelmente rodeiam muitos dos acontecimentos e circunstâncias, envolvendo subjetividade perante conceitos passíveis de diversas interpretações, e fortemente dependentes do julgamento profissional.
III – Uma entidade pode, normalmente, fazer uma estimativa da obrigação que seja suficientemente fiável para usar e reconhecer uma provisão. Quando tal não seja possível, existe um passivo que não pode ser reconhecido, sendo divulgado como um passivo contingente.
IV – No caso da obrigação de pagamento se encontrar a ser discutida em sede de litígio judicial, para inscrever determinada quantia em sede de provisões há que fazer um juízo de prognose e concluir que o pagamento da quantia em questão, tinha probabilidade de vir a ocorrer em mais de 50% e poder estimar-se o montante a suportar. Esse juízo é solicitado pelo contabilista certificado ao advogado encarregue do processo, o qual, sendo externo à empresa, lhe oferecerá credibilidade.
V – Se não for possível concluir-se a probabilidade de vir a ocorrer em mais de 50% e não for possível estimar-se o valor, então será divulgada informação como contingência. Só não deverá constar essa informação se a provável saída de recursos for considerada remota.
VI – A exigência ao período de três anos aludido no n.º 1 do art.º 186.º, não faz assentar a causa da potencial condenação das pessoas afetadas pela qualificação da insolvência, na data do vencimento das dívidas, mas antes na data da ocorrência dos factos que são suscetíveis de originar e produzir a apontada qualificação, consubstanciada no comportamento da apelante enquanto gerente, de infringir as obrigações contabilísticas a que está adstrita, não obstante o crédito já se encontrar vencido em data anterior aos três anos referidos no n.º 1 do art.º 186.º.
VII – A obrigação da sócia gerente não se esgota na contratação de um contabilista certificado, sem prejuízo da responsabilidade dos contabilistas certificados pelas irregularidades contabilísticas.
VIII – O gerente é responsável pela apresentação das contas da sociedade, assume com a aceitação do cargo de gestão que tem a competência e conhecimento para o exercício dessa função e deve exercê-la de acordo com o padrão da “diligência de um gestor criterioso e ordenado”.
(Sumário elaborado pela Relatora)