Impugnação da decisão de facto. Poderes do Tribunal da Relação. Segurança no local de trabalho. Violação das regras de segurança. Nexo causal

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO. SEGURANÇA NO LOCAL DE TRABALHO. VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA. NEXO CAUSAL
APELAÇÃO Nº 1170/18.7T8LRA.C1
Relator: FELIZARDO PAIVA
Data do Acordão: 13-11-2020
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – JUIZ 1
Legislação: ARTºS 640º DO NCPC; 281º, NºS 1 E 3 DO C. TRABALHO; 44º E 45º DO DECRETO 41821, DE 11 DE AGOSTO DE 1958; 7º E 14º, NºS 1 E 5 DO DECRETO-LEI 273/2003, DE 29 DE OUTUBRO; E ARTS 15º, NºS 2 A 5 E 20º DA LEI 102/2009, DE 10 DE SETEMBRO; ARTº 18º DA LAT.
Sumário:

  1. A reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal superior não pode nem deve constituir um segundo julgamento do objeto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, a indicar expressamente pelo recorrente.
  2. Em princípio, a alteração da decisão da matéria de facto só deve ocorrer quando se configure o denominado erro de julgamento, ou seja, quando possa ser detetada uma flagrante discrepância entre os elementos de prova e a decisão sobre a matéria de facto, devendo o tribunal de recurso apenas controlar a convicção do julgador de 1ª instância quando tal convicção se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
  3. E dizemos em princípio porque a possibilidade da modificação da decisão da matéria de facto não deve estar limitada de forma absoluta à verificação de erros manifestos de reapreciação pois “desde que a Relação acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, ainda que por interferência de presunções judiciais extraídas a partir de regras da experiência deve reflectir esse resultado em nova decisão” – Abrantes Geraldes “in” Recursos no Processo do Trabalho, novo regime, 2010, págª 67.
  4. Assim, sempre sem prejuízo desta convicção, em princípio, só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, sendo ainda de referir que, em caso de depoimentos testemunhais contraditórios, deve dar-se prevalência ao decidido em 1ª instância, atendendo ao princípio da livre convicção do julgador.
  5. Para que se preencha o quadro normativo previsto no nº 1 do artº 18º da LAT (Lei 98/2009, de 04/09) é necessário que: a) ocorra a violação de uma regra ou norma concreta sobre segurança no trabalho (não bastando a violação de regras genéricas ou programáticas sobre esta segurança para que se dê como preenchida a previsão do nº 1 do artº 18º da LAT). No que respeita à questão da violação das regras de segurança é preciso ter em conta que os acidentes acontecem, na quase totalidade da maioria dos casos, porque alguém fez algo que não devia ou omitiu algo que devia fazer; a isto acrescem circunstâncias imprevisíveis ou dificilmente previsíveis que alteram o curso dos acontecimentos. Mas isto não significa, designadamente em matéria de acidentes de trabalho, que se possa sempre falar em culpa, em culpa que fundamente o agravamento da pensão nos termos previstos no art.º 18.º, nºs 1 e 4 da da LAT. No nosso entendimento, a única forma de culpa que a lei admite é a violação de regras de segurança pois que a falta de observância dessas regras é a omissão de um dever especial de cuidado. Por isso deve afastar-se, como fundamentador do agravamento da pensão, a violação de um dever genérico de cuidado. Esta faz parte do risco do trabalho, como do risco da vida, e é absorvida pela regulamentação desta responsabilidade por acidentes de trabalho como responsabilidade objectiva; b) se possa estabelecer um nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente.
  6. Adoptando o nosso ordenamento jurídico a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, é necessário demonstrar que se tivessem sido adoptadas as medidas de prevenção o acidente não teria ocorrido.
  7. E a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este, pressupondo que o facto cuja causalidade se discute tenha sido uma das condições do dano, ou seja, que esse facto integre o processo causal que conduziu ao dano.
  8. Nos trabalhos em altura deve dar-se prevalência ou prioridade às medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (artº 15º nº 2 al. h) da Lei 102/2009, de 10/09, artº 36º, nº 2 do DL 50/2005, de 25/02, e artº 11º da Portaria 101/96, de 03/04) e que na interpretação do “velho” regulamento da construção civil deve ser considerada a evolução técnica que, naturalmente, tiveram os equipamentos de proteção coletiva e individual nos últimos cerca de 62 anos.
  9. A enumeração feita no citado artº 44º é meramente exemplificativa como resulta da utilização na redação do preceito da expressão “tais como…”.

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