Impugnação da decisão da matéria de facto; Erro de julgamento; Erro notório na apreciação da prova: Crime de burla

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO; ERRO DE JULGAMENTO; ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA: CRIME DE BURLA

RECURSO CRIMINAL Nº  95/09.1GBPMS.C3
Relator: CRISTINA BRANCO
Data do Acórdão: 12-07-2023
Tribunal: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 4
Legislação: ARTIGOS 217.º E 218.º DO CÓDIGO PENAL/C.P.; ARTIGOS 368.º E 412.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.

 Sumário:

I – Só é possível verificar-se erro de julgamento, passível de ser conhecido pelo tribunal de recurso, relativamente aos factos concretos sobre os quais o tribunal a quo se pronunciou, dando-os como provados ou não provados, e não também relativamente a factos que não constam da sentença recorrida, que não figuravam na acusação, nem foram alegados, designadamente nas contestações, pedidos de indemnização civil ou no início da audiência, no momento referido no nº 2 do art. 339 do C.P.P., mesmo que resultantes da discussão da causa e relevantes para a decisão.

II – A conduta enganadora, elemento constitutivo do tipo objectivo do crime de burla, deve ser adequada a produzir um erro no sujeito passivo, deve ser a causa do erro, pressupondo um nexo de causalidade entre ambos.

III – A necessidade urgente de obtenção de capital e a circunstância de não ter possibilidade de recurso ao crédito bancário pode colocar alguém numa situação de «desespero», tornando-a mais vulnerável.

IV – Dizem as regras da experiência comum e da normalidade da vida e das coisas que é a situação de vulnerabilidade de determinadas pessoas – designadamente em função da sua idade, inexperiência, ingenuidade, falta de discernimento ou desespero – que garante o sucesso dos crimes de burla.

V – É essa incapacidade, natural ou meramente circunstancial, de «ler os sinais de alerta» que permite que o engano ocorra, isto mesmo que os ofendidos se censurem por não se terem apercebido do logro que, mais tarde, lhes parece evidente.

VI – Para que o engano seja causa adequada a produzir o erro é suficiente que possa exercer influência no ânimo do sujeito passivo, sendo também necessário que o meio enganador consubstancie a causa do erro em que se encontra o burlado e que nesse engano resida a causa da prática, pelo enganado, dos actos dos quais decorre o prejuízo patrimonial, ou seja, que ocorra um duplo nexo de imputação objectiva.

VII – É considerado unanimemente pela doutrina e jurisprudência que a verificação da circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 218.º do C.P. decorre da prática reiterada e habitual de actos que consubstanciem o crime de burla, não sendo necessário, para que se conclua que o agente faz da burla «modo de vida», que a actividade ilícita seja a sua ocupação exclusiva ou contínua, podendo ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do visado.

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