Impossibilidade de obtenção de novos elementos e prova. Aplicabilidade do disposto no artigo 414.º cpc. Abandono da coisa. Posse conducente à usucapião
IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DE NOVOS ELEMENTOS E PROVA. APLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ARTIGO 414.º CPC. ABANDONO DA COISA. POSSE CONDUCENTE À USUCAPIÃO
APELAÇÃO Nº 1841/19.0T8GRD.C1
Relator: FONTE RAMOS
Data do Acórdão: 02-05-2023
Tribunal: JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA
Legislação: ARTIGO 7.º DO CRPREDIAL; ARTIGOS 6.º; 411.º; 414.º; 466.º, 3; 554.º, 1; 574.º, 2; 607.º, 1, 4 E 5 E 662.º, 1 E 2, C) E D), DO CPC; ARTIGOS 323.º, 325.º; 1252.º, 1; 1256.º; 1257.º, 1; 1261.º; 1262.º; 1267.º, 1, A); 1268.º; 1292.º; 1294.º A 1297.º; 1311.º E 1316.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. Nos casos previstos no art.º 662º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPC, importa verificar se existem patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento e que poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento, enquanto medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto.
3. Decorrendo dos meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento a impossibilidade de obter novos elementos suscetíveis de conduzir a uma diferente configuração da realidade – e, daí, a inutilidade de eventuais diligências ao abrigo dos art.ºs 6º, 411º, 607º, n.º 1, 2ª parte, e 662º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC – a dúvida porventura subsistente cai no campo de aplicação do preceituado no art.º 414º do CPC (resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita).
4. O “abandono” da coisa, primeira das causas de “perda da posse” mencionadas no art.º 1267º, n.º 1, do CC, pressupõe um ato material, praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito, mas não tem aplicação à posse dos direitos reais de natureza perpétua (o caso típico é o da propriedade sobre imóveis), i. é, daqueles direitos reais que não se extinguem por renúncia do titular; daí, para que a posse se conserve, não é necessária a continuidade do seu exercício – basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao exercício do direito, haja a possibilidade de a continuar (art.º 1257º, n.º 1, do CC).
5. Feita a prova da posse boa para usucapião (facilitada pelo regime da acessão e da sucessão na posse) do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo e da correspondente aquisição originária, provada fica a titularidade do respetivo direito real, pois o que releva para alcançar as realidades prediais, objeto de direitos reais, são os atos possessórios verificados ao longo dos tempos, que incidam sobre tais realidades e não as descrições prediais ou as inscrições matriciais – estas, por maioria de razão -, que podem ser úteis na sua identificação ou localização, mas não podem ter qualquer repercussão nas relações jurídico-privadas, nomeadamente delimitando o objeto sobre que incindem tais direitos, nada provando, por si só, quanto a esse objeto, designadamente quanto à respetiva área concreta.