Homicídio. Comissão por omissão. Dever de garante. Imputação objetiva do resultado. Ilicitude na comparticipação. Culpa na comparticipação

HOMICÍDIO. COMISSÃO POR OMISSÃO. DEVER DE GARANTE. IMPUTAÇÃO OBJETIVA DO RESULTADO. ILICITUDE NA COMPARTICIPAÇÃO. CULPA NA COMPARTICIPAÇÃO
RECURSO CRIMINAL Nº 92/20.6GAPNI.C1
Relator: JOÃO NOVAIS
Data do Acórdão: 24-11-2021
Tribunal: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – J3)
Legislação: ARTS. 10.º, 28.º, 29.º, 131.º, 132.º DO CP
Sumário:

  1.  Sendo a arguida madrasta da vítima, ainda assim, perante uma relação de parentesco de menor intensidade do que o vínculo existente entre pais e filhos, a posição de garante do bem jurídico protegido exigida para a punição da comissão de um resultado por omissão decorre da combinação de uma fonte de carácter mais formal (as obrigações legalmente impostas à madrasta, mormente em dever de alimentos) com uma fonte de carácter material – a estreita comunidade de vida mantida entre ambas.
  2. Adicionalmente, numa perspectiva diferente, surge reforçada a conclusão de sobre a arguida impender um dever de garante quando a mesma, madastra da vítima, é a única pessoa com possibilidade de poder intervir no sentido de evitar o resultado morte – no caso concreto, para além do arguido (agente comissivo por acção do crime), na habitação onde ocorreram os factos estavam apenas os outros filhos menores do arguido.
  3. Acresce ainda que, na situação ocorrida, existiu uma enorme desproporção entre o bem jurídico colocado em perigo (a vida), e o esforço mínimo exigido à arguida no sentido de tentar evitar a produção do resultado típico; bastaria um simples telefone ou a saída de casa para pedir socorro.
  4. A omissão juridicamente relevante iniciou-se no momento em que a arguida não interrompeu de forma decisiva o processo causal, pedindo o auxílio de terceiros.
  5. A omissão assume maior relevo quando, após a menor ter ficado inanimada, a madastra, representando que aquela podia morrer, com cuja possibilidade se conformou, em vez de promover imediato socorro, assumiu uma posição de passividade, contribuindo para que a menor permanecesse num sofá até ao momento do seu decesso.
  6. Nestes termos, a não prestação de socorro foi juridicamente adequada a provocar o resultado morte, ao menos no sentido de que a arguida não diminuiu o risco de que tal pudesse acontecer.
  7. As situações dos exemplos – padrão referidos no n.º 2 do artigo 132 do Código Penal são relevantes por via da culpa e não da ilicitude, e, por isso, não são comunicáveis, mas susceptíveis de valoração autónoma em relação a cada comparticipante, aplicando-se, não o artigo 28.º, mas o disposto no artigo 29 do referido diploma.

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