Herança. Aceitação tácita. Habilitação judicial. Impugnação pauliana

HERANÇA. ACEITAÇÃO TÁCITA. HABILITAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO PAULIANA
APELAÇÃO Nº
176/07.6TBVLF.C1
Relator: ALEXANDRE REIS
Data do Acordão: 24-02-2015
Tribunal: COMARCA DA GUARDA – GUARDA – SECÇÃO CÍVEL
Legislação: ARTº 610º, 2056º E 2059º DO C. CIVIL.
Sumário:

  1. Sendo a lei especialmente exigente na determinação dos factos donde se deduz a vontade de o sucessível aceitar a herança (jacente), a aceitação tácita desta terá de traduzir-se em actos que a indiquem inequivocamente ou, pelo menos, mais concludentemente do que a administração dos bens, no sentido de não deixar dúvidas que, embora não expressa pelo sucessível, foi por ele querida. E sendo a aceitação expressa havida como um negócio jurídico formal, também os factos concludentes da declaração tácita devem estar revestidos de forma, o que não sucede com o mero decurso do tempo.
  2. A habilitação judicial, só por si, não define a posição dos habilitados relativamente à herança; significa apenas que estes são investidos na qualidade de herdeiros – ainda que não sucessores – do falecido, assegurando a respectiva legitimidade processual para com eles prosseguir a acção em substituição daquele.
  3. Por isso, o posterior repúdio da herança pelos habilitados não tem qualquer implicação na eventual procedência da impugnação pauliana visada na acção.
  4. A alegada falta de notificação de um documento aduzido na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto integra uma nulidade processual e não, também, uma nulidade da sentença. O conhecimento desse vício depende de arguição pelo interessado na observância da formalidade omitida, no prazo de 10 dias após o seu conhecimento – que, no caso, ocorreu com a notificação daquela decisão aludindo ao documento –, no Tribunal em que foi cometido, para que nele pudesse ser julgado, sendo extemporânea a sua arguição apenas nas alegações do recurso interposto da sentença final.
  5. O problema que coloca a detecção e correcção de pontuais e concretos erros de julgamento é o da aferição da razoabilidade da convicção probatória do julgador, à luz das regras da ciência, da experiência e da probabilidade lógica prevalecente, o que implica que a alteração pela relação do julgamento da 1ª instância se limite aos casos de patente irrazoabilidade, aqueles em que os elementos em que tal julgamento se fundamentou são inidóneos para o efeito, à luz das mencionadas regras.
  6. Para que se verifique a impugnação pauliana é necessário, e suficiente, que se esteja perante um acto de diminuição da garantia patrimonial do credor de que resulte a impossibilidade deste em obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade.
  7. Tendo o A. provado o seu crédito e não tendo os recorrentes demonstrado que, depois do acto impugnado, o doador avalista (da livrança) manteve no seu património bens de valor bastante para garantir a totalidade da dívida, é evidente a conclusão de que a doação impossibilitou ou agravou, pelo menos, a satisfação do crédito reclamado por aquele.
  8. A suficiência de bens penhoráveis tem de dizer respeito ao próprio doador avalista, que responde pela prestação integral sem poder opor o benefício da divisão. Não releva, pois, que os outros devedores solidários continuem a dispor de património bastante para assegurar o pagamento da dívida, nem – ainda menos – incumbe ao credor a aferição do património global de todos os devedores.
  9. A entrega de livrança-caução em branco, em garantia de cumprimento das prestações devidas pela disponibilização da quantia contratualmente acordada e pela efectiva utilização do crédito, implica a vinculação dos signatários do título e outorgantes na convenção às obrigações neles estabelecidas, uma vez observadas as condições pactuadas. Assim, foi na data de tal contrato de abertura de crédito que foi posta à disposição da devedora a prestação que a livrança integrou e para cuja garantia foi subscrita, sendo então, pois, que nasceu o crédito do banco tomador da livrança e se constituiu a obrigação cambiária, bem como a responsabilidade do subscritor e avalistas pelo respectivo pagamento na data do vencimento, se não for invocado o abuso do respectivo pacto de preenchimento. Portanto, é irrelevante a data do vencimento do título cambiário, importando apenas que a constituição do crédito seja anterior à formalização da doação impugnada, e verificado este pressuposto da anterioridade, fica prejudicada a apreciação da questão da existência do dolo a que alude a parte final da alínea a) do art. 610º do C. Civil.
  10. Não estando em causa a impugnação de acto oneroso, a actuação (má fé) dos recorrentes só poderia apresentar relevância se se estivesse perante crédito posterior à disposição dos bens por contrato de doação.
  11. Numa acção de impugnação pauliana em que apenas se suscita a (in)eficácia, em relação ao A., da doação de determinados imóveis e não a da doação da meação do doador avalista no património comum em que os mesmos se integravam, independentemente da incomunicabilidade da dívida do doador avalista à 2ª R (também doadora), não têm que ser aqui enfrentadas as questões relacionadas com o regime de bens, a qualificação da dívida, ou o tipo de bens que respondem pela dívida.

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